Na 69ª Feira do Livro de Porto Alegre, não era incomum ver jovens — alguns, nem tanto assim — com sacolas recheadas de mangás. As obras oriundas da cultura japonesa não passam despercebidas, conquistando espaços de destaque nas bancas e lojas. No evento literário da Capital, por sinal, os estandes que eram voltadas para cultura pop celebravam as boas vendas, principalmente das produções que estão sendo adaptadas em live-action, como One Piece, da Netflix.
Este fenômeno se refletiu também na Comic-Con RS (CCRS) deste ano, realizada em junho. Segundo o idealizador do projeto, Émerson Vasconcelos, de fato, os mangás estão passando por um "boom". Na ocasião, os donos de estandes dedicados a quadrinhos no evento relataram que, pela primeira vez, as publicações japonesas foram mais vendidas do que os títulos ocidentais, como Marvel e DC Comics.
— Foi de explodir a cabeça saber disso. Por isso, no ano que vem, vamos ter uma expansão das atrações ligadas à cultura pop oriental, do Japão e da Coreia. Teremos mais painéis com temas ligados a animes, mangás e tokusatsu. E a parte coreana também vai ganhar atenção, com o k-pop com mais tempo de palco e painel sobre dorama — antecipa Vasconcelos.
As adaptações de mangá e anime para live-action também terão espaço de discussão no palco da CCRS, refletindo a força que este tipo de conteúdo vem tendo. Em 2023, a versão em carne e osso do já citado One Piece foi um sucesso de audiência e, também, de crítica, sendo renovada para o seu segundo ano e abrindo as portas para outros projetos — mostrado o caminho para que outras produções também consigam acertar.
Nesta esteira, outros títulos estão vindo por aí, sendo o próximo a série em live-action de Yu Yu Hakusho, com estreia marcada para 14 de dezembro, também na Netflix. Porém, mais adaptações já foram confirmadas, incluindo uma de Naruto, uma de One-Punch Man e, até mesmo, uma nova de Death Note, depois de uma desastrada tentativa em 2017. E são produções de vários milhões de dólares. Mas o que explica tamanha coragem para investimentos tão altos por conta dos estúdios? A popularidade do material original. Ou seja, os mangás.
Sucesso em Porto Alegre
Na loja Nerdz, em Porto Alegre, por exemplo, os mangás representam 21% das vendas totais da loja, enquanto os gibis tradicionais somam apenas 5%. E, no local, a faixa etária que mais consome as publicações orientais é a que vai dos 14 aos 30 anos. Já as HQs mais convencionais são consumidas por quem tem entre 17 e 45.
Assim, as obras japonesas atingem um público mais jovem e, também, dedicado. Mesmo com o aumento dos preços das publicações nos últimos anos, as vendas não diminuíram, segundo Kevyn Nunes Mello, responsável pelo marketing do estabelecimento dedicado ao público geek.
Para se ter ideia, no mundo, os 72 volumes de Naruto venderam, até hoje, mais de 250 milhões de cópias, enquanto os 42 de Dragon Ball atingiram o impressionante número de 300 milhões. Já o fenômeno One Piece, com 102, colocou na rua nada menos que 500 milhões de revistas. Ou seja, é um mercado bilionário e que cativa um público fiel, que acompanha uma história do começo ao fim.
O fenômeno
O publicitário Luciano Maciel, referência no assunto, sendo, inclusive, painelista sobre o tema em eventos de cultura pop, como a CCRS, explica que os animes — que são baseados nas histórias em quadrinhos japonesas —, atualmente, estão muito mais acessíveis por conta das plataformas de streaming. E, por isso, o material-base está sendo cada vez mais procurado.
A internet na palma da mão também colaborou para que os mangás se tornassem populares no mundo inteiro. O que sai no Japão pode ser conhecido instantaneamente por diversos públicos e, assim, o interesse faz com que as editoras acabem trabalhando para levar os títulos para os seus países. No Brasil, por exemplo, a Panini, a NewPOP e a JBC conseguem trazer títulos interessantes e até mesmo menores, devido à procura dos fãs.
— Antigamente, só traziam se tivessem certeza do investimento, se fosse um título que estivesse na televisão. Hoje em dia, não é tão necessário isso. Pode-se investir em um título que o público está acompanhando na internet. E a editora está ligada nestes movimentos, sem ser necessário o anime para validar o mangá — explica Maciel, destacando que as revistas japonesas conversam com públicos específicos, tendo obras mais voltadas para mulheres, homens, jovens, crianças, pessoas LGBTQIA+, entre outros.
História fechada
Outro ponto que ajuda a explicar toda a popularidade dos mangás é que eles são autocontidos — ou seja, contam uma narrativa que não sai de sua história, sem crossover com outros títulos. Além disso, muitas vezes, as sagas são curtas, contadas em poucas edições — é claro que as mais famosas são jornadas de dezenas de volumes, como One Piece e Dragon Ball, por exemplo.
— Essa cultura que hoje a gente vê no audiovisual, de que para você ver uma série X você tem que ver um filme Y e, assim por diante, está pegando a abordagem que é feita nos quadrinhos ocidentais, que têm crossovers. E isso acaba gerando um bloqueio no consumidor, porque tem que ter um conhecimento prévio de outras coisas para ler o que você quer. Já a grande maioria dos mangás não tem isso, porque eles têm, geralmente, uma história fechada, sem essas interferências — conta Kevyn Nunes Mello, da Nerdz.
Essa questão da narrativa fechada nela mesma é levantada também por Luciano Maciel, colocando como um dos grandes trunfos do mangá.
— As publicações orientais costumam ser muito mais voltadas para a introspecção. Então, há muitas histórias que exploram a origem do personagem, algum trauma de infância que ele teve ou até os vilões eles procuram explorar. Se pegar os grandes títulos que fazem sucesso hoje, todos têm essa característica. Isso gera muita identificação com o fã e o público, assim, quer saber mais — explica o publicitário.
Esse é um movimento que se retroalimenta, seja com mangás que fazem sucesso e, por isso, ganham adaptações — em animes ou live-action —, ou com adaptações que caem nas graças do povo e, por isso, aumentam a procura pelas revistas que as originaram. Como diria o pessoal nascido algumas décadas atrás, é a onda do momento. E, pelos sinais que anda dando, vai demorar para passar. Por isso, o mercado está surfando nela.