Enquanto Itamar Vieira Junior escrevia Torto Arado (2019), seu romance de estreia e que de cara o catapultou ao patamar de celebrado escritor nacional, com direito ao Jabuti e ao Oceanos, dois dos maiores prêmios literários em língua portuguesa, percebeu que precisaria de mais um livro para continuar contando a vida de negros e negras que seguem em uma batalha penosa por um pedaço de terra mesmo após o fim da escravidão.
— Tive consciência de que tudo o que queria falar sobre a relação de homens e mulheres com a terra não esgotaria no primeiro romance. A única pessoa que sabia disso era meu editor, que é gaúcho, o Leandro Sarmatz (da Todavia). Mas Torto Arado passou pela minha vida como um furacão e me desarrumou, tanto que só consegui concluir o novo livro muito tempo depois do que havia planejado — conta o escritor, por telefone.
Em Salvar o Fogo, que será lançado neste sábado (20) em Porto Alegre, na Livraria Leitura, no BarraShoppingSul (Av. Diário de Notícias, 300), às 17h, com a presença do autor (distribuição de senhas para autógrafos a partir das 16h), o pano de fundo é parecido com o da primeira obra: formado por descendentes de negros e indígenas, o povoado de Tapera, localizado às margens do Rio Paraguaçu, no recôncavo baiano, sobrevive principalmente do que planta. As leis são ditadas pela Igreja Católica, que obriga os moradores a pagarem impostos pelo uso da terra.
Marca do estilo de Itamar, a indefinição do tempo em que se passa a história traz a sensação de que a miséria e a exploração persistem independentemente de ano e século.
— Podemos pensar que a escravidão acabou em 1888, mas meses atrás tivemos trabalhadores baianos resgatados de vinícolas do Rio Grande do Sul em situação de trabalho análogo à escravidão. Essa dúvida sobre o tempo ser passado ou presente faz com que os leitores reflitam: o quanto do nosso presente ainda é atravessado por questões não resolvidas do nosso passado? — observa Itamar.
A personagem principal é Luzia, lavadeira do mosteiro onde vivem os padres e irmã solteirona de uma família desestabilizada pela pobreza e pelo abandono, cujos membros, pouco a pouco, vão deixando a comunidade em busca de melhores condições. A revelação de um abuso sexual praticado contra um de seus familiares, ocorrido dentro das paredes do mosteiro, faz com que ela perca a confiança nos religiosos. O episódio foi uma forma de Itamar criticar escândalos recentes envolvendo a Igreja Católica, mas também de simbolizar violências passadas, que compõem a história de guerras e dominações da humanidade.
— É uma metáfora da violência que foi a invasão do continente americano pelos europeus e jesuítas que aqui vieram nos catequizar. A primeira coisa que os invasores fizeram quando chegaram na América foi colocar uma cruz cristã. Esse símbolo representa o apagamento de muitos saberes que existiam antes de os colonizadores chegarem — reflete Itamar.
De carrancuda, abandonada e infeliz, o leitor passa a ser apresentado a uma mulher forte, sobrevivente de um passado misterioso e resistente às maledicências de um povoado que sucumbe à moral conservadora. Segundo Itamar, também é uma personagem inspirada em mulheres de sua família, que, apesar da penúria e das agressões dos homens, eram mais fortes do que eles, diz o escritor.
Ele prepara um terceiro livro em que o cerne da história também é a luta pela terra e, assim como em Torto Arado e em Salvar o Fogo, há uma mulher que se ergue e se sobrepõe.
— Durante muito tempo foi dito que as mulheres tinham saberes inferiores. Uma história que se propõe decolonial, contada a partir da perspectiva dos subalternizados, tem que ter mulheres à frente para quebrar essa hegemonia patriarcal. Os leitores podem esperar uma nova personagem — confirma.
Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Junior
- Editora Todavia
- 320 páginas
- R$ 76,90
- Lançamento em Porto Alegre neste sábado, às 17h, na livraria Leitura do BarraShoppingSul (Av. Diário de Notícias, 300). Entrada gratuita. Distribuição de senhas para autógrafos na loja a partir das 16h