O nome do gaúcho Paulo Scott apareceu na última semana na lista dos 13 autores semifinalistas que concorrem ao International Booker Prize, que reconhece o melhor livro de ficção traduzido e publicado no Reino Unido, com o seu romance Marrom e Amarelo (2019). A distinção é um dos mais prestigiados prêmios literários no mundo e mesmo que o escritor não estivesse esperando tal nomeação, ele se mostra feliz com a lembrança e acredita que este momento é mais uma parte de sua caminhada de 21 anos como autor publicado.
— É mais teimosia do que qualquer coisa. E avalio que isso é consequência direta do ótimo trabalho da editora inglesa que publica os meus livros (a And Other Stories), que compreende a necessidade de oxigenação do mainstream literário ocidental — explica Scott.
Paulo Scott é o segundo autor brasileiro entre os semifinalistas do Booker International Prize. Antes dele, em 2016, Raduan Nassar foi nomeado por Um Copo de Cólera (escrito em 1970 e publicado em 1978). Os finalistas do prêmio deste ano serão revelados em 7 de abril. Já os vencedores serão conhecidos em 26 de maio.
— Fico surpreso, sim, porque, imagina, estou do lado do Raduan Nassar nessa história, é só eu e ele nesse prêmio. Claro que quero ganhar, mas não me afeta em nada. Não vou me sentir melhor chancelado ou melhor escritor por ganhar prêmio. Isso é coisa para o mercado. No meu caso, expõe uma coisa que já estava percebendo, e as pessoas que me acompanham percebiam, que os meus livros eram lidos com uma profundidade no Exterior — enfatiza Scott.
Ainda segundo ele, a editora ficou pesquisando quase dois anos uma autora ou um autor brasileiro antes de contratar seu trabalho Habitante Irreal (2013), que teve, há quase uma década, uma importante repercussão na Inglaterra.
— Diria que há, sim, alguma relevância no meu trabalho, mas essas repercussões, elas dependem muito da sensibilidade e da maneira como as editoras percebem as potencialidades de uma obra. Então, imagino que Marrom e Amarelo, na verdade, está colhendo algo que foi plantado lá em 2013, pela boa repercussão do Habitante Irreal — acredita.
Olhar de fora
Para Scott, uma editora como a And Other Stories estar bancando nomes que não são necessariamente de autoras e autores ingleses faz com que o mercado todo preste atenção. A temática de Marrom e Amarelo, que aborda o colorismo, também é outro ponto que o autor considera importante para que o livro tenha ganhado projeção internacional, mesmo que não tenha recebido a mesma atenção dentro de sua própria casa — o escritor lembra, por exemplo, que a sua obra recebeu análises aprofundadas de veículos internacionais, como o The New York Times e o The Guardian.
— Aqui no Brasil, nem o racismo é percebido. Se você andar pelo Rio Grande do Sul, no Interior e até em Porto Alegre, que é uma das cidades culturalmente mais bem emancipadas e progressistas do país, encontrará pessoas que vão dizer que não tem racismo no Brasil. Nós temos uma dificuldade muito grande de nos olharmos no espelho, porque esse trauma é tão pesado que até reconhecer a nossa desgraça, a nossa tragédia, é um processo árduo, difícil de realizar. Então, se o racismo é uma coisa que é tabu, imagina o colorismo, que é uma complexidade muito maior — pontua o autor.
Segundo ele, o colorismo é enfrentado de uma forma muito clara e complexa nos Estados Unidos, onde a comunidade negra representa cerca de 13% da população.
— Quando essas pessoas que estão vivenciando aquela realidade têm a oportunidade de vir ao Brasil, elas invariavelmente dizem que o racismo no Brasil é muito mais cruel do que nos Estados Unidos — conta.
No livro, o personagem Federico é um cientista social que narra sua participação em uma comissão que quer definir critérios para identificação étnica de autodeclarados afrodescendentes que se candidatam a cotas em universidades públicas. Ao longo da história, o narrador escancara a hierarquia entre negros com tons de pele diferentes existente no Brasil — uma narrativa que reflete a história da própria família do autor.
Excêntrico
O racismo, na literatura de Scott, está explicitado desde o seu primeiro livro de poesia, Se o Mundo é Redondo e Outros Poemas (2001), nos seus contos de Ainda Orangotangos (2003) e no personagem Machadinho, um negro de pele clara, como o próprio autor, em seu primeiro romance, Voláteis (2005).
— As pessoas, antes, colocavam na minha escrita o rótulo de excêntrico. Só que o mundo amadureceu, por conta da revolução tecnológica, e no caso do Brasil, por políticas públicas que apostaram em corpos negros nos espaços de formação do poder, que são as universidades, e por meio, sobretudo, das mulheres negras, vieram análises e articulações teóricas e leituras mais aprofundadas que explicam a desgraça do Brasil — defende.
De acordo com Scott, são poucas obras no mundo que sintetizam essa questão do colorismo. E, de acordo com ele, quando surge um romance que trabalha isso de uma maneira "não panfletária", "não maniqueísta", "sem calorzinho no coração" e "sem final feliz", acaba sendo percebido na sua singularidade de uma maneira diferente por quem está no Brasil.
— Nós não conseguimos nem analisar a tragédia do nosso racismo, quanto mais um livro que, sem apresentar respostas e soluções maniqueístas ou protagonismo redentores, coloca a dimensão da tragédia. A literatura tem essa força que os livros de história, de geografia, de Direito, de economia não têm, que é de criar uma realidade incontornável. E, goste ou não, tenha qualidade ou não, porque não me cabe dizer, o Marrom e Amarelo enfrenta essa questão como poucos livros na história da América enfrentaram — pontua o autor.
Marrom e Amarelo foi traduzido para o inglês por Daniel Hahn e recebeu, internacionalmente, o título de Phenotypes.
Scott, atualmente, trabalha em Direito Antifascismo Brasileiro, que será publicado pela Cia. das Letras ainda este ano. Além deste livro, o autor também está desenvolvendo Ninguém Rondonópolis, obra que abordará o oeste brasileiro e "um futuro ainda mais distópico que tá sendo gestado neste momento lá, que é quase um mundo paralelo".