Há mais de 40 anos, o jornalista Fernando Morais e Luiz Inácio Lula da Silva são camaradas. E isso rendeu ao autor da biografia do ex-presidente um grande acervo de histórias vividas não somente pelo personagem, mas também pelos dois, lado a lado. Eles estiveram juntos, por exemplo, quando Lula liderou as greves dos metalúrgicos, no final dos anos 1970 e início dos 80, e também estavam compartilhando a tensão dos dias em torno da última prisão do petista, decretada pelo ex-juiz Sergio Moro, em abril de 2018.
Autor de biografias celebradas como a de Olga Benário (Olga, de 1985) e a de Assis Chateaubriand (Chatô, o Rei do Brasil, de 1994), além de ser ganhador de três prêmios Esso, Morais conseguiu acesso livre ao petista e, consequentemente, pôde recortar os momentos que considerava fundamentais para integrar Lula – Volume 1 (Companhia das Letras, 416 páginas, R$ 74,90 o livro impresso e R$ 39,90 o e-book), obra que reconta passagens importantes da vida do político que presidiu o Brasil entre 2003 e 2010.
Em entrevista a GZH, Morais, que se considera um "gaúcho honorário", detalhou o processo de escrita e quais os seus próximos projetos – o segundo volume da biografia é esperado para 2023.
Por que fazer uma biografia de Lula?
Depois de conviver com o Lula por mais de 40 anos, com alguns buracos, estou convencido de que ele não é apenas um político, mas um fenômeno político. Foi a primeira vez na história do Brasil que um sujeito analfabeto, sem dedo e que viveu uma vida degradante se torna presidente da República. Nunca vi ninguém como o Lula. Ele é um fenômeno. E se é um fenômeno, te interessa, me interessa, nós vivemos disso. O cachorro abanar o rabo não é notícia em Zero Hora. Mas se o rabo abanar o cachorro, você vai noticiar. Então, é isso: o Lula é o rabo abanando o cachorro. O fora do normal, o fora do esperado.
Você começa o livro transportando o leitor para os momentos que antecedem e sucedem a decretação da prisão de Lula, nos quais você estava presente. Por que começar por este episódio e não seguir uma ordem cronológica?
Quem leu o livro do Mario Puzo que o (Francis Ford) Coppola usou para fazer O Poderoso Chefão se lembrará que ele vai e vem na história da família Corleone. São períodos que se misturam. E você vai encontrar isso em outros livros meus, como em Olga. Poderia começar com a Olga criança, na Alemanha, e ir avançando cronologicamente, mas abro o livro com a Olga com 18 anos, com trabuco na mão, invadindo um júri em Berlim para tirar o namorado que estava sendo acusado de traição à pátria. E só depois que vou contar quem é aquela menina. Cada personagem inspira a fazer um livro dessa ou daquela maneira. Além disso, abrir o livro assim era eletrizante demais, muito thriller, mesmo as pessoas já sabendo que o Lula iria ser preso.
Você acha que o livro poderá influenciar de alguma maneira as eleições?
Honestamente, não sei. Como tem gente que não gostou, estou tomando muita porrada, tem gente que está lendo o livro e me cobrindo de cacete. Quando escrevi a biografia do Chatô, metade dos leitores dizia que eu tinha escrito a biografia de um gângster, metade dizia que eu tinha escrito a biografia de um herói. Falei: "Então tá bom, acertei a medida".
Algumas pessoas estão criticando que pontos importantes da trajetória de Lula foram apenas pincelados, como o caso do tríplex e outras ações da Lava-Jato. O que você acha disso?
Em primeiro lugar, não faria sentido contar para as pessoas coisas que elas já sabem. Em segundo, não é uma biografia do Moro, do (Deltan) Dallagnol, do Michel Temer. Acho que a decisão do Supremo de anular todos os processos contra o Lula e colocar em suspeição o ex-juiz Moro é em si suficientemente eloquente, o que não me impedirá de fazer flashbacks no volume 2. O livro que está publicado é o livro que quis publicar, não acho que ficaram buracos. Não é um livro sobre a Lava-Jato.
Desde sua imersão em Cuba com A Ilha, de 1976, até agora, com o lançamento de Lula, como avalia a sua trajetória como escritor?
Eu seria ingrato com o destino se me queixasse. Tenho livros publicado em 37 países, já vendi, sem contar o Lula, quase 6 milhões de cópias. E por que estou duro se já vendi tantos livros? Porque gastei. Não cheiro cocaína, não tenho apartamento em Paris, não tenho duas famílias. Gastei com bobagem, com motocicleta. Agora, por exemplo, quando passar o frenesi do lançamento, vou montar na moto e ir para a Bahia descansar uma semana no sol. Não posso me queixar.
Quais outras histórias você ainda quer contar?
Quero contar a história de Antônio Carlos Magalhães. Gravei nove anos com ele, até a morte dele. Ele me deu de presente todo o arquivo privado dele, onde tem coisas cabeludíssimas. Estou em dúvida se faço um livro ou uma minissérie.