Especialistas alertam já há algum tempo sobre a importância das abelhas para a manutenção da vida na Terra. Sua extinção, possível graças ao avanço da expansão agrícola e ao uso de agrotóxicos, é capaz de provocar um colapso do mundo que se conhece hoje. Com a proposta de apresentar um futuro próximo já sem a presença desses pequenos seres, Natalia Borges Polesso criou em seu novo livro, A Extinção das Abelhas (Companhia das Letras), uma realidade distópica para os acontecimentos que já estão em curso nos dias atuais.
Na obra, o sistema que se conhece hoje faliu. E para além disso, a empatia e o respeito às diferenças, que já andam em cordas bambas atualmente, desmoronam de vez, e assim pessoas LGBT+ tem de viver na clandestinidade. O mundo, dominado por aqueles que possuem recursos financeiros de sobra, é um local inseguro. Sua ruína é medida pelos índices apontados no “colapsômetro”.
— É um livro sobre essa ideia do colapso. Não só do colapso ecológico mas das relações mesmo, de como a gente se relaciona com o mundo, com os outros, com as instituições, do que a gente acredita ser o certo, da segurança, do conforto — conta Natália.
A protagonista da história é Regina, uma mulher de 40 anos, hipertensa e diabética. Abandonada pela mãe, que fugiu com um circo durante sua infância, ela foi criada pelo pai alcoólatra, que morreu quando ela tinha 17 anos, e pelas vizinhas, Denise e Eugênia.
Por meio do colapso do mundo individual de Regina, acompanha-se a ruptura do que resta de habitual na vida da humanidade. Dependente de doses frequentes de aplicação de insulina para a manutenção da saúde, ela não encontra um equilíbrio de bem-estar e autocuidado em meio ao caos em que o mundo se situa. Ao passar por dificuldades financeiras em uma realidade em que três laranjas custam R$ 23, Regina resolve se tornar uma profissional do sexo virtual, popularmente conhecida como “camgirl”. A atividade, em pleno declínio do mundo, ainda é negócio rentável que atrai muitos clientes.
Os capítulos intercalam as experiências de Regina e do passado de sua mãe, Guadalupe. Por vezes, a protagonista se refere à antecessora em cartas sem destino, contando sobre sua vida. “Mãe, eu lembro que tu dizia para lavar bem as frutas para tirar o veneno. Pois não adianta mais. Nem lavando. Tá tudo envenenado. Tá tudo desmatado pra criar gado, mas a carne é cara igual.”
Apesar de se tratar de uma ficção, Natália traz ao texto elementos reais, citando episódios políticos que ocorreram no Brasil, faz menção ao atual presidente da República Jair Bolsonaro, assim como prevê um possível sucessor.
— Todas as coisas que estão lá são coisas que aconteceram — comenta a autora. — E são coisas que nos tocam diretamente: o veneno que está no nosso prato, o clima que está louco.
A ruptura da vida cotidiana descrita por Natália pode parecer distante para alguns, no entanto, ela já está em curso, alerta a autora:
— Quando a polícia entra no Jacarezinho atirando e isso é uma coisa “normal”, isso é uma coisa corriqueira, (essa realidade) já acontece. Talvez não aconteça com a classe média ainda. Temos grileiros tocando fogo em comunidades quilombolas, indígenas, então isso já acontece. A questão é como a gente olha, né? — finaliza.
Natalia Borges Polesso é uma escritora gaúcha com carreira em ascensão. Com seu livro de contos Amora (Não Editora, 2016), conquistou o Prêmio Jabuti e o Prêmio Açorianos na categoria Melhor Livro de Contos. Em 2018, Amora foi aprovado no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), e pode ser trabalhado em sala de aula com alunos de Ensino Médio da rede pública do país. Além disso, o título também entrou para a lista norte-americana da Oprah Magazine de livros que estão mudando o cenário LGBT+ nos Estados Unidos em 2020.
*Produção: Juliana Agne