Celso Gutfreind acaba de voltar à poesia com o recém-publicado A Arte que se Baste. O livro foi lançado na semana passada, em um evento virtual com presenças do autor e do crítico literário José Castello.
É também Castello que dá as primeiras chaves para a leitura dos 85 poemas do volume. O autor carioca assina o texto da orelha do livro, em que aponta: “A poesia é esse salto que, ainda preso às palavras, luta para ultrapassá-las. Com esse espírito de luta, disposto a desafiar o impossível, escreve Celso Gutfreind”.
Com quase 40 livros lançados, entre poesia, ficção e ensaios de psicanálise, Gutfreind é hábil na “luta” descrita por Castello. Em sua maioria, os poemas não ultrapassam a medida de uma página, geralmente com versos curtos, que refletem esmero na métrica, nexo e musicalidade.
Identificação
Apesar de algumas estrofes soarem enigmáticas, o texto suscita confiança e empatia no leitor a cada página. Gutfreind não está interessado em oferecer mensagens cifradas ao leitor, mas em compartilhar sua jornada pelo mundo das palavras, transcendendo o discurso cotidiano. É a busca por uma nova verdade a partir da construção de uma nova linguagem.
Os poemas são antecedidos por epígrafes de Bukowski, João Cabral de Melo Neto, Paul Anka, Mario Quintana, Jorge Luis Borges, Brecht, Kafka, entre outros. Em algumas, o vínculo é aparente, mas nunca óbvio. O resultado são versos densos, que não se dobram em uma primeira leitura. “Todo poeta busca uma estação/ de tem,/ aonde, de certa forma,/ não chega nem parte”, assinala em um poema com epígrafe de Mario Quintana.
Mais adiante, o poeta anota: “O artista busca/ a expressão do amor/ mais que amor em si/ a história da amizade,/ mais do que amizade”. Como se pode observar nos dois trechos, o fazer poético é um dos temas que emerge da “luta” do poeta. Não é o único assunto que se repete. No terço final do livro, amadurecimento e morte aparecem com maior força nos versos.
O eu lírico observa a passagem do tempo e dos ciclos. “O pior/ da perda/ é perder/ sozinho”, conclui a certa altura. Em outro poema, aponta: “Quando a vida/ é desmascarada,/ vê-se o rosto grave da morte./ Quando a morte/ é desmascarada,/ vê-se o rosto aberto da arte”.
Apesar de ter menos de cem páginas, A Arte que se Baste é um livro capaz de acompanhar o leitor por muito tempo. São poemas que ganham novos significados a cada leitura, com versos que parecem saltar aos olhos, provando que a boa poesia não se contenta em ficar aprisionada no papel.