Um novo sopro de poesia chega ao mercado editorial neste mês. Quarenta e cinco anos depois de 26 Poetas Hoje, livro que injetou sangue novo e balançou o cânone da poética brasileira, Heloisa Buarque de Hollanda volta com mais um seleto apanhado de versos. Desta vez, a novidade tem mais um curioso recorte: As 29 Poetas Hoje é composto exclusivamente por mulheres.
No texto de abertura do livro, a organizadora conta que a nova antologia teve como ponto de partida sua curiosidade sobre o possível impacto da “atual explosão feminista” nas gerações mais jovens de mulheres. Narra Heloisa, em um trecho: “Saí em campo e mergulhei na poesia de mulheres, sobretudo das jovens que fossem, de alguma forma, afetadas pela quarta onda feminista. Talvez, no fundo, o que eu estivesse procurando fosse reviver o gosto e o susto de estar frente a frente com uma quantidade de poetas desconcertantes, lembrando meu trabalho em 26 Poetas Hoje, em 1976 – livro no qual Ana Cristina Cesar foi revelada”.
Por conta dessa similaridade de experiências narrada por Heloisa, As 29 Poetas Hoje ganhou esse título, que homenageia o volume setentista. Mas o tributo não para por aí: com o lançamento, também chegará às livrarias a reedição do livro anterior – ambos estarão disponíveis no dia 18.
As novas poetas celebram a edição pela Companhia das Letras. Para Nina Rizzi, trata-se de uma “alegria coletiva”, pois dá amplitude a vozes renovadoras da poesia.
– Fiquei supercontente quando soube que estava no livro, com tantas mulheres jovens, potentes e que estão fazendo a diferença dentro de suas linguagens e de suas quebradas. Contente também porque esse livro, revisitando seu irmão dos anos 1970 e sendo publicado por uma grande casa editorial, consegue uma amplitude incrível – avalia Nina, paulista radicada em Fortaleza.
Efervescência
Para as autoras entrevistadas pela reportagem, muitos outros autores nacionais merecem atenção de grandes editoras, dando visibilidade a um circuito que tem se renovado por meio de pequenos selos e livrarias de calçada. Stephanie Borges, do Rio, aponta que há múltiplos cenários da poesia no Brasil:
– É possível falar de cenários, porque os slams estão entre os acontecimentos mais interessantes nos últimos anos. Há editoras independentes como Garupa, Macondo, Jabuticaba e Luna Parque publicando poetas brasileiros e traduções. Antes da pandemia, dava para ver toda uma profusão de eventos. São propostas estéticas diversas e diferentes formas de fazer a poesia chegar às pessoas.
A única representante do Rio Grande do Sul na coletânea é Marília Floôr Kosby, que já lançou os livros Os Baobás do Fim do Mundo (2011), e Mugido (2017). Natural de Arroio Grande, a 50 quilômetros da fronteira com o Uruguai, começou a escrever poesia em 2008, após sonhar com versos e aforismas, que passou a publicar nos blogs Salamancas Supersônicas e A Sanga das Patavinas.
Atualmente, Marília vive em Porto Alegre, onde cursa pós-doutorado em Ciências Humanas, e viaja pelo Estado prestando consultoria como antropóloga. Além de música popular, tem entre suas principais referências autoras como Adélia Prado, Angélica Freitas, Adelaide Ivánova, Ana Martins Marques e Fernanda Bastos, a polonesa Wislawa Szymborska e as uruguaias Idea Vilariño e Circe Maia.
No poema mmmmmm, presente na coletânea, Marília resgata memórias da vida rural em Arroio Grande para construir, nas palavras de Heloisa, “um registro poético e brutal de partos, nascimentos, violências, espanto, animalidade”. Em um trecho, anota: “angélica,/ o parto de uma vaca/ não é uma coisa/ simples/ envolve um útero/ imenso/ que rebenta/ e frequenta não raro/ o lado de fora”.
Para Marília, a poesia vai na contramão da banalização da palavra, causada pelo momento social e político vivido no Brasil:
– No meio de toda a verborragia, de todo mundo opinando, escrevendo, falando a conhecida pós-verdade, as poetas e os poetas trazem um fluxo na contramão de toda essa enxurrada de palavras ao vento.