Por Léo Gerchmann
Jornalista, autor de “A Fonte: a Incrível História de Salim Nigri” (AGE, 2020), entre outros
No momento em que se tornaram banais discursos segundo os quais torturador é herói, racismo não existe, vacina é do mal, estupro é culposo e a Terra é plana, torna-se oportuno o novo livro do historiador Rodrigo Trespach, Personagens do Terceiro Reich: a História dos Principais Nomes do Nazismo e da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Ao dissecar monstros, Trespach não relativiza a banalidade do mal. Longe disso. Hannah Arendt e sua máxima sobre a “normalidade” podem ser lidas em cada entrelinha. O que ele nos mostra, em saborosas minibiografias, é como a loucura pode aflorar em ambientes perversos.
A primeira e maior das minibiografias traçadas por Trespach, claro, é a do próprio Adolf Hitler, com sua história familiar errática, seus fracassos, ressentimentos e dependências químicas (eukodal, derivado do ópio, e pertivin, uma metanfetamina que os próprios soldados nazistas usavam para sentir falsa euforia e suicida persistência em nome do “führer”).
Há várias publicações sobre nazistas, em especial a respeito de Hitler. No livro de Trespach, constata-se o mérito de essas histórias serem disponibilizadas em resumos límpidos, com muitas curiosidades. Estudioso da Segunda Guerra, João Barone, escritor e baterista de Os Paralamas do Sucesso, comenta, na orelha: “Trata-se do melhor resumo já publicado no Brasil dessa ópera macabra que foi o nazismo, com seus principais protagonistas, muitos vilões e alguns poucos heróis que ousaram se erguer contra a insanidade”. O escritor e jornalista Reinaldo José Lopes reforça: “Rodrigo Trespach já se tornou uma grife para todos que leem livros de História voltados para um público amplo no Brasil. (...) Ele volta a mostrar sua combinação rara de conhecimento enciclopédico e capacidade de síntese para contar o essencial da vida dos vilões e (raros) heróis que viveram sob o regime nazista”.
No capítulo A Camarilha de Hitler, leia sobre o vice-führer Rudolf Hess: “’Não tenho consciência, minha consciência é Adolf Hitler’, afirmou. Enquanto isso, Hess se casara com Ilse Proh e, sem conseguir gerar herdeiros, aumentou seu envolvimento com astrologia, tarô, magnetismo e ciências ocultas. Em 1937, o casal teve um único filho, a quem deram o nome de Wolf, um dos heróis dos Nibelungos e o codinome de Hitler”.
O livro perfila políticos, militares, empresários, artistas que contribuíram para a ascensão de Hitler. Há também um capítulo dedicado a quem resistiu, às vezes pagando com a própria vida. O autor ainda oferece uma lista com personagens, glossário e cronologia. A pesquisa de Trespach é permeada por dados íntimos sobre figuras como Goebbels, “o mago da propaganda nazista”; Himmler, o líder da SS; Mengele, o monstro da medicina; Keitel, o conselheiro; Bonhoeffer, o teólogo da resistência; e Stauffenberg, o militar antinazismo. Fatos raramente mencionados, como o uso de trabalho escravo por empresas alemãs, são abordados.
Trespach provoca algum sorriso matreiro do leitor ao descrever o infame marqueteiro Joseph Goebbels como figura rancorosa e de pequenez peniana. Os ressentimentos contra a vida perfizeram sua maligna mentalidade antissemita, que se voltou até mesmo contra antigos professores e uma namorada judia que teve por cinco anos. O autor define Goebbels como “mesquinho, rancoroso e vingativo”. Conta que era conhecido também pela alcunha de “peçonhento”. Não por acaso, sujeito com tais atributos maquinou a trágica “Noite dos Cristais”, em novembro de 1938 – o episódio que desencadeou a “solução final” (plano de eliminação dos judeus). No capítulo sobre a intimidade de Hitler, consta que seu médico, Theodor Morell, tratava o líder nazista como “paciente A”, e a mulher dele, Eva Braun, como a “paciente B”. Eram injeções diárias no “paciente A”. O total de remédios chegava a 28. Os problemas iam da necessidade de provocar euforia e combater o cansaço à urgência de atenuar a flatulência, passando por questões oftalmológicas resolvidas com colírios à base de cocaína. E havia Heirich Himmler, líder da SS, a organização político-militar hitlerista, que acreditava ser a reencarnação de Henrique, rei germânico do século 10.
O livro se encerra relatando os casos heroicos de resistência ao nazismo dentro da Alemanha, como os dos irmãos Hans e Sophie Scholl, do movimento Rosa Branca. É um respiro de bondade. Na derradeira seção, porém, volta o mal, em termos de curiosidade: aparecem os nazistas que vieram para o Brasil, como o “anjo da morte” Josef Mengele.
O que Trespach faz é um importante painel de indivíduos para traçar o todo do horror que volta e meia tenta quebrar o ovo da serpente. Sempre é bom tentar entender.