Um feira literária não é feita apenas de livros. Um evento da dimensão da Feira do Livro de Porto Alegre envolve milhares de pessoas, desde os organizadores até o público. Com o passar dos anos, algumas delas ficam na memória dos frequentadores pela presença marcante e contínua.
Iniciada na sexta-feira (30), a 66ª edição da Feira tem programação exclusivamente online. Entre os convidados, está um experiente frequentador das sessões de autógrafos e debates da Praça da Alfândega, o escritor Alcy Cheuiche. Desde o lançamento de seu primeiro romance, O Gato e a Revolução, em 1967, o autor já lançou mais de cem livros na Feira – 86 deles são coletâneas organizadas a partir de oficinas.
Nesta sexta-feira (6), às 19h, Cheuiche participará de um debate sobre a reedição da coletânea Água: Elemento Essencial da Vida; e no dia 13, também às 19h, estará em um bate-papo sobre poesia e declamação. O escritor sente falta da Praça da Alfândega, porém está satisfeito com a possibilidade de participar a distância:
— É claro que dá saudade. Mas perdi uma amigo de infância no primeiro dia de pandemia. Temos que cuidar pelo menos da saúde dos outros.
Diferentemente de Cheuiche, muitos personagens conhecidos da Feira não estão presentes nesta edição pela internet. É o caso da "voz do poste", que jamais era vista em seu trabalho, mas se fazia notar a todo instante pelos alto-falantes da Praça da Alfândega. A dona da voz que costuma passar informações ao público é a jornalista Clea Motti.
— Trabalho desde o ano 2000 como a "voz do poste". Era para ser por apenas uma edição, mas desde então segui na função ininterruptamente. Justo quando iria completar 20 anos, não será possível participar — lamenta Clea.
Clea trabalha como revisora de textos acadêmicos e literários ao longo do ano, mas a primeira quinzena de novembro costumava ser integralmente dedicada à Feira. Em dias mais movimentados, a locutora permanecia até 12 horas atrás do microfone.
— É uma rotina intensa. A gente dorme e acorda pensando no momento em que estará de volta à praça. Sempre imaginei que, quando não fosse mais a "voz do poste", aproveitaria para voltar à Feira para passear, olhar as bancas, conversar. Mas, por ironia do destino, está sendo diferente — conta Clea.
Mais um veterano de Feira do Livro é o pipoqueiro José Alves Valêncio, o Zé da Pipoca. Sua pipoca de queijo se tornou famosa entre os frequentadores mais assíduos da Praça da Alfândega. Valêncio frequenta o evento desde 1968. Histórias para contar não faltam. Há desde enxame de abelhas, com direito a intervenção dos bombeiros, até temporais diluvianos, com água batendo nos joelhos e livros navegando a enxurrada.
— No tempo em que a Feira não era coberta, a chuva incomodava muito. Mas foram os melhores anos. Parece que o evento decaiu quando colocaram a cobertura. O povo gosta da liberdade de passear a céu aberto — opina Valêncio.
O pipoqueiro já recebeu até homenagem da Câmara Rio-Grandense do Livro e lançou sua própria obra: Zé da Pipoca: 50 Anos na Feira do Livro. Durante décadas, ele trabalhava diariamente em frente ao Colégio La Salle Dores, na Rua Riachuelo. Hoje aos 70 anos, presta seus serviços apenas eventualmente, em eventos da Capital e do Interior. Na pandemia, desmontou o carrinho de pipoca para reformá-lo. Espera que no próximo ano esteja reluzente para voltar à praça.
— Se o evento voltar no ano que vem, estarei lá. A Feira é meu xodó — diz Valêncio.