Você pode adorar a Lava-Jato. Você pode discordar da Lava-Jato. Você pode gostar de Bolsonaro ou de Lula, você pode detestá-los. Você pode desconhecer Letícia Duarte ou pode ser admirador dos seus textos. Difícil, mesmo, é ficar indiferente ao livro que ela acaba de lançar: Vaza Jato – Os Bastidores das Reportagens que Sacudiram o Brasil.
A obra é um mergulho num dos mais polêmicos trabalhos jornalísticos já feitos no Brasil, a publicação de mensagens trocadas por procuradores da República e o juiz Sergio Moro durante a Operação Lava-Jato. Como já é notório, repórteres do site The Intercept Brasil receberam de um hacker cópias milhares de diálogos que evidenciaram que Moro, um ícone do combate à corrupção, opinava sobre como as investigações deveriam ser conduzidas, orientava coletas de provas e, por vezes, aconselhava ou reclamava de procuradores, como se eles fossem parte de sua equipe.
Fãs do ex-juiz dizem que só mediante esse entrosamento Moro conseguiu determinar a prisão de alguns dos maiores corruptos do país. Já os críticos abominam sua intimidade com os acusadores.
Foi para escapar desse maniqueísmo que Letícia escreveu um texto eletrizante. Em ritmo de filme de suspense, a autora devassa um ano na vida de um grupo heterogêneo de jornalistas à espera de algum material que ajudasse a consolidar seu recém-lançado site de denúncias. O material lhes foi presenteado bruto, sem hierarquização. Foi preciso garimpar em milhões de conversas. Para se ter uma ideia, apenas um dos milhares de chats somava 300 páginas de diálogos. A obra mostra que, além desse trabalho, os repórteres atuaram sob tensão constante: qualquer batida na porta poderia ser a Polícia Federal, já que o material fora furtado por um hacker (embora a sua divulgação não consista crime, conforme a própria Justiça reconheceu posteriormente).
São 320 páginas que passam voando. O livro reproduz as dúvidas que assomaram os jornalistas, as brigas na equipe e até como colocar um freio no hacker, que desejava usar a repercussão do material para especular na Bolsa de Valores.
Experiência não falta à autora, jornalista que usa técnicas literárias em suas reportagens. Gaúcha, Letícia trabalhou em O Pioneiro e por 13 anos em Zero Hora e GZH. Tem na prateleira os principais prêmios de jornalismo do país. Morou em Moçambique e é mestre em Sociologia pela UFRGS e em Política e Assuntos Internacionais pela Universidade de Columbia (EUA).
Até hoje, a Vaza-Jato rendeu 105 reportagens ao The Intercept Brasil e parceiros na grande mídia. E o plano é que, em breve, vire filme, nas mãos do cineasta José Padilha.
O leitor verá que quase não há críticas à Vaza-Jato. Letícia claramente concorda com a decisão de revelar os diálogos. Mas não deixa de mostrar as brigas, as vaidades e os temores da equipe responsável pelas reportagens que grenalizaram o Brasil. Honrando o ofício, Letícia também faz jornalismo, ao revelar as hesitações dos repórteres. Melhor para o leitor.