Com data marcada para o período de 30 de outubro a 15 de novembro, a Feira do Livro de Porto Alegre, pela primeira vez na história, não ocupará as alamedas da Praça da Alfândega. As atividades e as vendas serão 100% online, o que deve estimular editores e autores a aprofundar o contato com o público pelas plataformas digitais — tendência que vinha crescendo antes da pandemia, mas que tem se acelerado ainda mais com a necessidade de isolamento social.
Dos 110 associados da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), entidade promotora da Feira, apenas metade está presente no meio virtual com e-commerce. Quem já vinha intensificando sua presença na internet deverá sofrer baixo impacto por não ter uma banca na Praça da Alfândega. É o caso da editora Belas Letras, de Caxias do Sul, que nos últimos anos transformou o ambiente digital em sua mais importante ferramenta de vendas.
— Em março, tomamos um susto grande com o fechamento de grandes livrarias. A inadimplência cresceu bastante. Mas já estávamos em um caminho digital: 60% das nossas vendas já estavam centrada em canais digitais. A pandemia também nos assustou, mas não a ponto de colocar o negócio em risco. Realizamos algumas ações e conseguimos reverter perdas. Fechamos o primeiro semestre da editora com crescimento de 9%, e a participação digital saltou de 60% para entre 80% e 90%, dependendo do mês — conta Gustavo Guertler, fundador da Belas Letras.
O caso é diferente para editoras mais dependentes da venda física. A Dublinense, por exemplo, tem se dedicado cada vez mais ao e-commerce, embora também contava com uma badalada agenda de eventos e feiras.
— Em nosso primeiro semestre, o crescimento de vendas online meio que compensou a catastrófica queda das vendas em livrarias, mas as perdas que tivemos em todos os inúmeros eventos que não aconteceram não tinham como ser repostas. No final, estimo que a queda de faturamento ficou na casa de uns 10% a 15% — avalia Gustavo Faraon, da Dublinense.
Já a Libretos aproveitará a Feira do Livro para intensificar a sua presença no meio digital. Segundo Clô Barcellos, responsável pela empresa, o faturamento está sendo 50% mais baixo que o do ano anterior.
— No nosso caso, que temos muita venda por meios físicos, prevejo queda de 50% de faturamento para este ano, e de 70% no período da Feira. A nossa presença na Feira é fundamental, e o ambiente digital não tem essa presença, apesar de todas as lives e encontros online que vamos fazer. Por outro lado, temos muitos custos no evento com funcionários e aluguel de espaço. Por isso, poderemos aproveitar o momento para investir no digital, que pode, em um futuro momento, ser mais rentável — afirma Clô.
Presença
A CRL está oferecendo para seus livreiros consultorias com o Sebrae e com mais uma empresa digital privada para impulsionar empresas de associados como Clô Barcellos, com potencial para crescer no ambiente virtual. Gustavo Guertler afirma que o momento não é apenas propício para as livrarias e editoras aumentarem a presença online. A própria Feira do Livro poderá se expandir com a programação gratuita e acessível a qualquer usuário da internet:
— Por um lado, perdemos o contato físico, que é muito importante. Porém, se a Feira for bem trabalhada online e se o mercado editorial se dedicar a ela, esta pode ser uma grande oportunidade de ampliara a ideia de fomento à leitura. Será uma possível levar o espírito da Feira para mais espaços, e de modo permanente. Pode ser um marco para o evento se expandir, não para encolher.
Para o escritor Airton Ortiz, um dos mais assíduos frequentadores da Feira, patrono da edição de 2014, a maior perda não será cultural nem comercial, mas afetiva:
— Do ponto de vista cultural, não perderemos muito. Vamos ter os eventos que sempre tivemos, e até de forma ampliado, porque mais gente terá acesso às atividades por meio da internet. Comercialmente, muitos livreiros vão sentir diferença, pois a Praça tinha um fluxo importante de leitores e clientes. Mas a grande perda é afetiva, são os encontros encantadores que costumamos tem nesta quinzena, que não teremos neste ano. Costumava recarregar minhas energias como ser humano e como escritor nesses encontro. Mas, como estamos vivendo em um momento de exceção, o importante é que a Feira não deixe de existir.
Jeferson Tenório, que está prestes a lançar o romance O Avesso da Pele, acredita que nada substitui o encontro direto com os leitores, mas avalia que a presença online é uma via para resgatar o vínculo do público com a literatura:
— Acho que a cultura e os livros sofreram um baque muito grande com a pandemia, e precisamos de alguma forma resgatar esse vínculo com os leitores, nem que seja virtualmente.