Conhecido como poeta e cronista, Fabrício Carpinejar também ganhou projeção encarnando o arquétipo do consultor sentimental. Em seus textos, costuma abordar de maneira simples, mas bem-humorada e lírica, afetos e relacionamentos, sejam entre casais, pais e filhos ou amigos.
O escritor acaba de lançar Colo, por Favor! – Reflexões em Tempos de Isolamento, em que trata de sentimentos que vieram à tona com a pandemia, como solidão e gentileza, medo e esperança. Nesta entrevista, ele conta como se deu o processo de escrita e compartilha reflexões da quarentena — em que brinca de superar Leo Paixão, chef do Mestre do Sabor, para impressionar a esposa na cozinha.
Colo, Por Favor!, que já está nas livrarias, foi escrito em plena pandemia. Como foi a experiência de escrita e lançamento?
Combati o redemoinho com mais vertigem. Ou seja, como a gente não tinha como determinar o futuro, vim com esse livro, que não teve tempo de amadurecimento em gaveta, não teve revisão. É o livro mais selvagem da minha biografia. Foi escrito sob o impacto do isolamento, buscando decifrar o que isso poderia nos proporcionar. E houve também uma agilidade homérica da editora. Escrevi em um mês, e foi publicado na sequência. Foi uma maneira de responder à transformação com outra transformação.
Em 2019, você se dedicou à família em seu trabalho, insistindo na importância de se aproximar dos afetos.
Com o distanciamento social, foi como se eu recebesse o contrário de tudo o que eu escrevia. Ficamos afastados dos pais, dos irmãos… Precisamos descobrir outro modo de ser afetuoso, retomar a escrita, as videochamadas. Você pode estar no mesmo Estado ou na mesma cidade, mas é como se estivesse em outro país.
Onde você está passando a quarentena?
Estou em Belo Horizonte. Não consegui ainda ir a Porto Alegre neste ano. Ficamos do jeito que estávamos, eu e minha esposa, Beatriz. Todo mundo teve uma experiência forçada de estrangeirismo. Como não perder o vínculo, não ser esquecido, não ser arrebatado pela culpa? De que forma reencontrar e ocupar a solidão? Como descobrir uma felicidade interna, distraída, à paisana? Toda a felicidade estava concentrada em estímulos externos, como viagens, aventuras, passeios, restaurantes, bares… De repente, não se pode mais sair. A casa precisou voltar a ser casa. Havia se tornado um dormitório.
Há também o desafio da convivência em casa, entre o casal. Como segurar um casamento vendo a pessoa 24 horas por dia?
O importante na vida de casal é que cada um consiga preservar seus momentos sozinhos. A receita é não fazer tudo junto. Quem faz tudo junto vai perder sua personalidade, vai apagar sua identidade. Isso é o mais importante. E também caprichar nas tarefas mais ordinárias, como cozinhar, por exemplo. Se bem que o Leo Paixão, do Mestre do Sabor, tem ferrado meu dia a dia. Eu faço uma picanha, ela diz: “Ah, mas tu viu a receita do Leo Paixão?”. Faço rabanada, ela diz: “Ah, mas tu viu a receita do Leo Paixão”. Pô, eu já tive que superar o Rodrigo Hilbert, agora vou ter que superar o Leo Paixão. Tá difícil.
Como tem se relacionado com seus pais?
Converso com meu pai por Skype, e com minha mãe por chamada de vídeo do Whats. Nunca dei tanto presente para meus pais. De um jeito ou de outro, acho que estão gostando disso. Envio livro toda semana, chocolate… É como se fosse o amor a distância. Como você precisa provar mais amor, acaba sendo mais presente do que estando fisicamente. Tem que se esforçar para sempre renovar a esperança e dissipar o medo.
Como você se sente ao falar de família atualmente, em que o discurso conservador prospera no Brasil? Como é possível abordar o assunto de modo progressista?
É não entrar na linha da censura e da privação. Pelo contrário, é ir pelo entendimento. Não é um viés ideológico que eu assumo. Minha abertura é emocional. É uma conclusão racional. Se eu penso diferente dos meus pais, é porque meus pais me deixaram pensar diferente, portanto preciso também aceitar que eles pensem diferente. Se eu tive a liberdade de me opor a eles, tenho que assegurar a eles a liberdade de se oporem a mim.
O que você tem consumido de séries, filmes e livros na pandemia? A arte tem sido um alento?
Com meu filho Vicente, temos dois temas em comum, que é futebol e cinema. Já a Mariana é das Letras, então a gente conversa muito sobre português, literatura. Eu assino o Belas Artes à La Carte, então tenho visto muitos filmes. Ontem assisti ao Filhos do Padre, que é um filme croata, hoje vou ver Um Hotel às Margens do Rio, que é sul-coreano, e amanhã será o dia de O Pai, que é búlgaro. Tenho lido bastante também. Li aquela biografia do Mussolini, intitulada M, As Coisas Humanas, da Lya Luft, O que Ela Sussurrava, da Noemi Jaffe. E muitos outros.
Livros impressos ou e-book?
E tenho lido tudo como e-book. Kindle é ótimo porque não tem aquela coisa de vir com sacolas de livros para casa, e minha esposa esbravejar: “você comprou tudo isso, nem vai conseguir ler”. E agora é só baixar. Às vezes ela não faz ideia, mas estou do lado dela comprando livros. É uma impunidade prazerosa indescritível. Eu brinco assim porque sei que ela também está fazendo o mesmo com as coisas dela.