Em entrevista ao programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta sexta-feira (1), o escritor Ruy Castro explicou o processo de criação de Metrópole à Beira-Mar, obra que aborda o Rio de Janeiro de 1920, quando a cidade estava expandindo social, política, comercial, geográfica e culturalmente, com uma força avassaladora. Na época, a gripe espanhola se alastrava pelo mundo.
O autor falou sobre o costume entre os pesquisadores de estudar a história do Brasil dos anos 1920 a partir do ponto de vista da Semana de Arte Moderna, destacando que a relevância cultural do Rio de Janeiro foi o ponto de partida para o livro.
— É como se o Brasil inteiro fosse um grande atraso, e quando vieram todas aquelas pessoas de São Paulo, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, fizeram uma revolução que modernizou instantaneamente o país. Mas aqui no Rio nós temos contato com um tipo de cultura que não é possível nem colocar em dúvida por causa da importância dela. Naquela mesma época tínhamos no Rio pessoas importantes como Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Gilka Machado... Todas essas pessoas foram absolutamente modernas naquela época. O que acontecia no Rio dominava culturalmente o Brasil inteiro. Era uma metrópole com mais de 1 milhão de habitantes — explicou.
Conforme Castro, para abordar em seu livro os anos 1920, foi necessário incluir na obra um recorte de anos anteriores e eventos que trouxeram à tona movimentos da época, como a Primeira Guerra Mundial e a própria gripe espanhola, que aconteceu logo depois.
— O mundo foi outro depois da Primeira Guerra. E coincidiu com a eclosão de uma peste, a gripe espanhola, quando a guerra nem tinha acabado ainda. Os poucos estudiosos sobre a doença concordavam ao dizer que a pandemia matou pelo menos 50 milhões de pessoas, e isso é quase 10 vezes o que a guerra tinha matado em quatro anos. Eu fico me perguntando como essa pandemia foi tão pouco estudada... Na época em que precisei saber sobre, existiam poucos livros abordando o assunto. Tive que recorrer a memórias de pessoas que viveram naquele momento. Assim, eu consegui armar uma narrativa de 10 páginas sobre o que aconteceu no Rio com a gripe espanhola, pois foi a cidade mais atingida de todas.
Em Metrópole à Beira-Mar, Ruy Castro trata da crise sanitária e econômica que assolou a cidade. Os mortos, empilhados, não eram enterrados devidamente. Os hospitais, com leitos insuficientes, não tinham espaço para acomodar os doentes, que ficavam nos corredores, e morriam por ali mesmo. Remédios faltavam, assim como madeiras para caixões. Pessoas foram enterradas vivas. A população foi aconselhada a evitar aglomerações em trens, bondes e ônibus, e a não tossir ou espirrar em público.
— Isso foi naquela época, que não tinha nem a tecnologia que temos hoje. Não tinha nem rádio! Por mais jornais que tivesse, não tinha como fornecer informações para todos, já que funcionários foram deixando de trabalhar por conta da pandemia. Então, as medidas de proteção que a população poderia tomar, como não sair de casa, demoraram para ser informadas, as pessoas aprenderam na prática. As pessoas não acreditaram muito na gravidade da doença, até acharam que era uma conspiração dos alemães para ganhar a guerra, mas é compreensível naquela época, já que não tinha tanto acesso à informação. Hoje temos uma campanha consolidada para que fiquem em casa e mesmo assim as pessoas não fazem.
Castro também comentou a tendência de pessoas não acreditaram na gravidade da covid-19.
— Isso é do ser humano. É aquela coisa do avestruz, de colocar a cabeça em um buraco e achar que nada está acontecendo. Isso é uma tendência do nosso tempo, mundial, de negar a realidade e querer substituir a realidade por teorias que não se sustentam na menor análise, como de que a Terra é redonda, ou de que esses vírus são construídos em países comunistas. O povo brasileiro está ameaçado de ser dizimado por uma atitude irresponsável desse governo. Qualquer pessoa que tenha parentes ligados à saúde ouve relatos horripilantes do que está acontecendo nos hospitais. Enquanto isso, pessoas de cargo de importância mantém um discurso que é de uma insensibilidade e crueldade absoluta.
Castro trouxe de volta o exemplo da gripe espanhola para projetar o futuro após a pandemia do coronavírus. Ele comenta que houve uma imunização em massa e o Rio de Janeiro entrou em um momento de explosões de criatividades, eventos e transformações sociais.
— Vamos esperar que a ressaca da atual pandemia seja a preparação de uma grande volta do Brasil inteiro, assim como foi no Rio de Janeiro dos anos 1920 — deseja o escritor.