Doze anos depois de realizar a primeira conferência do Fronteiras do Pensamento, em 2007, o filósofo francês Luc Ferry voltou a palestrar no evento na noite desta segunda-feira, no Salão de Atos da UFRGS. Desta vez, fechou a temporada de 2019 do ciclo, que convidou nove personalidades a discutir o sentido da vida. Em um palestra com menos de uma hora de duração, o autor de Aprender a Viver (2006) falou sobre como o amor e a sabedoria podem levar a uma vida melhor e defendeu a busca pela longevidade.
Ferry começou sua exposição listando grandes respostas dadas ao longo da história para o que seria uma vida boa. Na resposta grega, exemplificada pela trajetória de Ulisses na Odisseia, de Homero, o ser humano deve se colocar em harmonia com o mundo. Para os cristãos, a vida boa seria estar em harmonia com Deus. A resposta humanista, surgida com o Iluminismo, recomenda colocar-se em harmonia com as outras pessoas e fazer uma contribuição para o progresso da humanidade – criando bem os filhos, por exemplo. Nietzsche fornece a quarta resposta estabelecendo que, se Deus não existe, resta o individualismo, ou seja, preocupar-se em estar em harmonia consigo mesmo.
– Esta é a resposta que domina o mundo de hoje, e não gosto dela. Se tudo morreu, resta trabalhar para o seu próprio bem-estar.
Ferry desenvolveu então a sua resposta favorita. Para ele, a vida boa está relacionada a duas revoluções: a do amor e a da longevidade. Segundo o filósofo, hoje o amor se tornou sagrado no mundo ocidental, ou seja, é aquilo pelo qual as pessoas estão dispostas a se sacrificarem.
– Antes, morria-se por um Deus, uma pátria ou uma revolução. Hoje isso acabou. Pegamos em armas para defender quem amamos.
Em seguida, Ferry defendeu o projeto transumanista, que busca dar às pessoas a possibilidade de viver mais e melhor. Segundo ele, se o recorde de pessoa mais idosa pertence a uma mulher francesa que viveu até os 122 anos, o transumanismo mira na possibilidade de estender a vida até os 130 ou 150 anos utilizando tecnologias avançadas para isso.
– Os transumanistas dizem que a medicina não deve apenas tratar, mas fazer melhorias no ser humano. Fazer o que se faz com o milho, deixando-o resistente à seca, por exemplo – falou o filósofo, ciente da graça de comparar uma pessoa a um milho. – Não é fabricar um super-humano, mas aumentar a longevidade.
O filósofo defendeu sua posição afirmando que a natureza não deve ser considerada um modelo moral. E a tecnologia pode ser usada para corrigir as desigualdades:
– A natureza é Darwin, é a eliminação dos fracos e dos velhos. O transumanismo diz que a natureza deve ser modificada. A natureza não é sagrada. Se modificar um gene defeituoso pode salvar uma criança, por que não fazê-lo? Se alguém possui uma anomalia genética, a natureza falhou e deve ser corrigida.
A consequência de viver mais tempo, para Ferry, seria uma humanidade mais experiente e, portanto, mais sábia.
– Envelhecer permite se tornar melhor, aperfeiçoar-se e ter mais experiências, especialmente no amor.
Questionado pelo apresentador do evento, o jornalista Daniel Scola, pelo psicanalista Felipe Pimentel e também pela plateia, Ferry abordou rapidamente outros assuntos, sem desviar de questões polêmicas. Criticou o veganismo e defendeu o casamento homossexual. Afirmou também que sua atitude mais polêmica, a de proibir o uso de símbolos religiosos nas escolas quando foi Ministro da Educação da França, entre 2002 a 2004, funcionou muito bem.
– Mandei que tirassem cruzes, véus e estrelas de Davi das escolas. Hoje não há mais polêmica sobre isso. Centenas de meninas me agradeceram por não precisarem mais usar véus e poderem vestir calças jeans. O véu islâmico é a submissão aos homens. Funcionou, mas, por esse motivo, fiquei sob proteção policial por dois anos. Não foi nada divertido – contou o filósofo.
Ao final do encontro, Ferry retomou a conclusão da sua palestra, esclarecendo que havia escolhido falar de amor, mas poderia ter discorrido sobre o ódio. Para ele, são dois sentimentos exclusivamente humanos – os animais não amam, são afetivos, assim como não matam por maldade, mas por instinto.
– O ódio é talvez maior do que o amor no ser humano. Não sou ingênuo. O século 20 foi genocídio atrás de genocídio – afirmou. – Acredito que a longevidade permitiria que a gente se acalmasse um pouco, que fôssemos menos idiotas, menos bobos – concluiu.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS, e empresas parceiras Unicred e CMPC. Universidade parceira UFRGS e promoção Grupo RBS.