*Matéria publicada originalmente em 24 de março de 2007 (jornal Zero Hora)
A primeira conferência do ciclo Fronteiras do Pensamento, promovido pela Copesul Cultural, foi realizada na última terça-feira, em um Salão de Atos da UFRGS lotado, com um convidado estrangeiro instigante e um prenúncio de que o ciclo, que prevê conferências até dezembro, deve confirmar a expectativa de um evento cultural para ficar na memória da cidade. O primeiro encontro de pensadores do projeto debateu educação, como convinha a uma conferência entre dois ex-ministros da Educação, o brasileiro Paulo Renato Souza e o francês Luc Ferry.
A escolha de Ferry foi apropriada para abrir um seminário que se dedica a mapear as fronteiras do pensamento justamente por ser ele um intelectual que mistura os limites da produção teórica com a atuação política - Ferry vê a filosofia como ela era vista na Antigüidade, também como algo que propõe ações. Durante seu período como ministro da Educação na França, uma das medidas mais comentadas, dentro e fora do país, foi o decreto que proibia nas escolas o uso de símbolos religiosos pelos alunos, como o véu islâmico e a estrela de David judaica.Um tema que, ao fim da sua palestra de uma hora, no espaço reservado às perguntas da platéia, foi trazido à tona. Ferry respondeu que a proibição tinha sido uma forma de afastar a guerra das escolas.
- É preciso avaliar o contexto.A França tem a maior comunidade islâmica da Europa e a terceira maior comunidade judaica do mundo, atrás apenas de Israel e Estados Unidos.O que aconteceu no início dos anos 2000, à época da aprovação da lei, foi um recrudescimento do conflito árabe-israelense. Pequenos judeus e magrebinos estavam usando símbolos como se fossem armas em um conflito ideológico. O objetivo daquela lei foi impedir a guerra de se introduzir no ambiente escolar - explicou.
Mas isso foi no fim da palestra, não nos adiantemos.Nos bastidores do seminário, comenta-se que Ferry havia trazido uma outra conferência preparada, mais ligada ao tema geral "As transformações no mundo contemporâneo e os novos significados da educação", uma apresentação mais formal, com telas em powerpoint e recursos eletrônicos. Depois da entrevista coletiva que concedeu no meio da tarde, em uma das salas do Sheraton Hotel, o filósofo francês mudou a abordagem de sua palestra ao ouvir as questões levantadas pelos repórteres, como violência na sociedade, ecologia, a relação entre filosofia e religião.
Em um improviso dinâmico, Ferry fez a defesa da filosofia como ferramenta para que os pais possam projetar a educação que dão aos filhos.A conferência seguiu de perto,embora de forma resumida, o imenso apanhado que Ferry faz no livro Aprender a Viver, recuperando o objetivo original da filosofia na Antigüidade grega, o de "busca da vida boa".
- A filosofia nos ensina como superar os medos que nos separam da vida e dos outros. Ela trata do que pode salvar os humanos dos medos que nos impedem de viver uma vida boa - comentou o ex-ministro. Ferry prosseguiu elencando os três conjuntos de medos fundamentais sobre os quais se discorre desde a Antigüidade. O primeiro deles seria o dos medos sociais, o medo das pequenas situações de exposição e convivência, como o medo de falar em público, de ser o centro das atenções, de ser ignorado em uma situação de diálogo ou de confraternização.Depois desses medos mais corriqueiros, viriam as fobias, os medos mais profundos, e, Ferry ressaltou,medos surpreendentemente contornáveis.
- A maioria dos seres humanos convive bem com suas fobias, aprende a seguir sua vida com elas.Se você tem fobia de elevador, sobe pela escada.Se tem fobia de viajar de avião, vai de carro.