Autenticidade é, a um só tempo, uma palavra da moda e uma virtude fora de moda. Se por um lado empresas apostam em pessoas e relatos reais nas suas narrativas publicitárias, por outro uma parcela expressiva de consumidores desenvolve, nas redes sociais, uma espécie de autoficção, tornando-se personagens de si próprios, realçando nesse mundo manipulado o que querem vender e escondendo o que poderia arranhar sua imagem.
O substantivo pode ser duplamente aplicado a Diário de um Só, HQ de estreia da chilena Catalina Bu que a editora Sesi-SP lançou no Brasil recentemente (88 páginas, R$ 34). Nascida em 1989, ela fala com propriedade sobre sua geração (e os que vieram um pouquinho antes ou um pouquinho depois), à qual retrata em um traço simples e econômico, mas por isso mesmo potente e cativante.
Usando apenas duas cores (azul e branco) e dirigindo apenas um personagem (sem nome), Catalina desenha diversas facetas dessa turma que, paradoxalmente, é conectada e ensimesmada, tem altas aspirações mas também sucumbe à procrastinação. Cada página é um instantâneo e um espelho, em que vemos refletido nosso sorriso, ora aberto como em uma gargalhada muda, ora constrangido do tipo "puxa, eu também faço/penso/sinto isso!".
Com flechas embebidas em uma mistura de autodepreciação e autoindulgência, temperadas com algumas referências à cultura pop (Walter White/Heisenberg, do seriado Breaking Bad, é uma figura constante, e Sheldon Cooper, da série The Big Bang Theory, e Rorschach, do gibi Watchmen, dão as caras e parecem se fundir no protagonista) e disparadas suavemente, Diário de um Só acerta em tantos nervos, que bem poderia ter outros títulos.
Por exemplo, Manual do Tédio e o que Fazer Quando Você Não Se Basta Mais.
— Cedo ou tarde, todos acabam me entediando. Prefiro estar só — diz, na primeira página da HQ, o protagonista, que, na última, cansado de se revirar na cama à procura do sono, pega o telefone e diz apenas: — Venha.
Ou então Como Ser Antissocial Mesmo que no Fundo Você Sofra um Pouco com Isso.
O herói de Catalina é visto evitando conversas, escondendo-se atrás do jornal, fingindo ocupação ao celular, quase comemorando estar há uma semana sem falar, mas desaba quando, em uma festa na qual não consegue se entrosar, até o cachorro não lhe dá bola.
Também valeria Vamos Mudar o Mundo! Mas Antes Deixem Eu Tirar um Soninho.
Há tarefas do trabalho pela frente, há transformações íntimas desejadas, mas sempre surge um cachorro dançando salsa em um post no Facebook, uma maratona de seu seriado favorito ou simplesmente uma preguiça desgraçada.
Quem sabe Meu Idealismo Termina Onde Começam minhas Vontades.
Mortificado ao assistir a um documentário sobre o abate de animais, o personagem reconforta-se pedindo um duplo quarteirão com queijo.
Ou ainda: Eu Amo o meu Umbigo e Isso me Faz Perder a Vida ao meu Redor.
A cena é, simultaneamente, sutil e didática: em um barco de turismo, o guia avisa que, logo ali adiante, pode-se avistar a maior baleia azul da região. Todos correm para tirar fotos, afinal, trata-se de um espetáculo que só aparece de 10 em 10 anos. Mas o protagonista não consegue, não é rápido o suficiente para captar o momento, porque sua câmera, claro, está em modo selfie.