A escritora Agustina Bessa-Luís, uma das maiores autoras contemporâneas de Portugal, morreu nesta segunda-feira (3), na casa em que residia, no Porto. Nascida em 1922, em Vila Meã, aldeia concelho de Amarante, em Portugal, ela publicou quase 80 livros, entre literatura para adultos e jovens, crônicas, ensaios, peças de teatro, além de ter colaborado com diretores de filmes, em especial o gênio do cinema português Manoel de Oliveira. Ela recebeu, em 2004, o mesmo Prêmio Camões concedido a Chico Buarque no mês passado.
Filha de um engenheiro português e de uma espanhola, Agustina Bessa-Luís estreou na literatura com a novela O Mundo Fechado, publicado em 1948. Os caminhos da literatura portuguesa no período dividiam-se entre a aguda denúncia social do neorrealismo de escritores como Alves Redol, Vergílio Ferreira e Fernando Namora e as experiências formais de autores da segunda onda do modernismo português, autores como Miguel Torga, Adolfo Casais Monteiro e Pedro Homem de Mello. Entre essas duas vertentes, Agustina, com sua literatura de investigação psicológica e de construção de personagens mais do que de panoramas sociais foi inicialmente desconsiderada.
Foi apenas com seu quarto livro, A Sibila, publicado em 1954, que a autora ganhou projeção em Portugal e mais tarde nos círculos acadêmicos do Brasil. Um épico de prosa caudalosa cuja narrativa atravessa mais de cem anos da vida de uma família, ainda que o foco se detenha por mais tempo junto à personagem título, Quina, a "sibila", uma mulher que detém ascendência espiritual sobre a comunidade em que vive. O livro, um estudo em profundidade da vida burguesa de província, tornou-se o mais conhecido trabalho da autora, que também publicou, ao longo das décadas seguintes, outras obras elogiadas, como A Muralha (1957), O Manto (1961), Fanny Owen (1979), Vale Abraão (1991), Memórias Laurentinas (1996) e sua última obra publicada, A Ronda da Noite, em 2006. Ela escreveu também livros de crônicas e de viagem, entre eles Breviário do Brasil, sobre uma passagem pelo país.
Agustina manteve com o diretor de cinema Manoel de Oliveira, outro monumento da cultura portuguesa, uma longa e profícua colaboração. Oliveira adaptou para o cinema seis livros da autora, entre eles Francisca (1981), adaptação de Francisca; Vale Abraão (1993), do romance de mesmo nome, e O Princípio da Incerteza (2002), da trilogia homônima. O filme mais conhecido de Manoel de Oliveira no Brasil, O Convento, realizado em 1995 e com os nomes internacionais Catherine Deneuve e John Malkovich, também partiu do romance de Agustina As Terras do Risco (1994).
Ao longo da segunda-feira, várias personalidades da cultura portuguesa manifestaram-se em homenagem à escritora. O primeiro-ministro português António Costa escreveu no Twitter: "Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas. Como toda a grande literatura, a obra de Agustina Bessa-Luís é uma imensa tela sobre a condição humana, sobre o que temos de mais misterioso e profundo." Os escritores Inês Pedrosa e Francisco José Viegas lamentaram a morte com citações de sua obra, e até o time de futebol Porto postou uma mensagem lamentando a perda de uma "figura marcante da cultura portuguesa e da cidade do Porto."