Aldyr Garcia Schlee (1934–2018), falecido em novembro passado aos 83 anos, foi um autor que tornou o Pampa e a região de fronteira sua temática de eleição. Por isso, também, durante muitos anos atuou numa espécie de zona particular dentro da literatura rio-grandense. Com a exceção de dois romances, sua obra voltou-se com insistência para o conto. Dois de seus livros saíram primeiro no Uruguai, em língua espanhola, e só mais tarde foram editados no Brasil. Traduziu autores de língua espanhola para o português e autores brasileiros para o espanhol. Para além de autor ligado a um país, era um artista do Pampa. Em retrospecto, portando, parece apropriado que seu legado literário seja um alentado dicionário dessa cultura doble-chapa, na qual ele habitava como pessoa e autor.
Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, uma obra em dois volumes totalizando mais de mil páginas, será lançada oficialmente nesta quarta-feira (20), às 10h, no Palácio Piratini. A tiragem, de 3 mil exemplares, será distribuída a instituições de ensino e bibliotecas. Também deve ser disponibilizada na rede para download gratuito ainda este semestre. O livro apresenta, em verbetes (veja abaixo), a visão de Schlee sobre o Pampa, sua história e seus costumes. É o resultado de um trabalho paciente de escrita que durou uma década, mas também condensa pesquisas realizadas ao longo de uma vida.
– Meu pai sempre foi muito cuidadoso com a literatura dele. Ao longo de toda a vida, colecionou informações e termos, tanto para seus livros quanto para suas traduções. Talvez não houvesse em princípio a ideia de fazer um dicionário, mas em determinado momento essa intenção surgiu – comenta Andrey Schlee, um dos três filhos do escritor.
Na década passada, Schlee resolveu transformar suas alentadas anotações em um dicionário propriamente dito. Fez alguns exercícios na forma em Vocabulário de Simões Lopes Neto, que seria publicado em 2010. E convidou uma produtora cultural que havia conhecido em uma mesa de debates para ajudar a viabilizar a edição. A hoje secretária de Cultura do Estado, Beatriz Araújo, aceitou na hora, mas o projeto só foi deslanchar mesmo nos últimos anos. Ela e Schlee idealizaram um selo editorial para a obra, Fructos do Paiz. Ao lado de seu último romance, O Outro Lado, lançado em 2018, Schlee dedicou seus derradeiros três anos ao trabalho constante na obra, dada por finalizada pouco antes de sua morte.
Os verbetes abrangem elementos da fauna e da flora, das lides do campo, termos geográficos e políticos, expressões idiomáticas tradicionais do falar gaúcho. Embora sua estrutura seja a de um dicionário tradicional, percebe-se o toque de Schlee na redação das entradas, com uma prosa mais solta e leve do que muitos dicionários à disposição.
– É um trabalho autoral, penso que, com os anos, vai ser conhecido como o Dicionário do Schlee. Tu encontras nos verbetes muito da personalidade dele, ele estudou a obra de escritores regionais, autores mais recentes, apresenta a fauna e a flora do Pampa de forma muito intensa – avalia Beatriz Araújo.
Verbetes do Dicionário
CHANGADOR (PLAT) S.m. e adj. –
O mesmo que →changueiro. // DES: uma das denominações dadas aos →coureadores, →gaudérios e gaúchos coloniais. AME: changador. l HIST: desde o início do séc. XVIII, a partir de 1730, foram chamados de changadores todos os que se dedicavam livremente no pampa a capturar e matar animais vacuns ou cavalares para sacar-lhe o couro e deles tirar proveito.
SESMARIA (BRAS) S.f. ANT DES
–Porção de terra devoluta ou abandonada, de campo e de mato, que os reis de Portugal cediam a determinadas pessoas – chamadas →sesmeiros – para que a cultivassem e cuidassem (PA, SL, AJ, EV). // Sesmaria-de-campo: medida agrária antiga, equivalente a uma sesmaria, ou seja: três léguas quadradas, ou 13.068 hectares de campo aberto. // Sesmaria- de-mato: antiga medida agrária,
correspondente a 1.089 hectares de campo coberto de mato.
JAGUARA (BRAS) Adj. ANT DES
– Dito DEPR de cachorro: cão medroso ou de má índole; cusco sem raça e sem serventia; guaipeca sarnoso e imprestável. // FIG: dito, igualmente, de homem sem caráter, patife, canalha.
CAMOATIM (GUA: caba-ati) S.m.
– Inseto vespídeo (Polybia scutellaris), preto, com finas listras amarelas – também chamado simplesmente de marimbondo e conhecido nacionalmente como enxu-de-beira-de-telhado – que não deve ser confundido com a lechiguana ou o mangangá; e que utiliza lugares altos, de preferência as cornijas das casas, para a construção de seus vespeiros. // O vespeiro construído por esses insetos, de forma esférica, feito de uma pasta cinzenta semelhante ao papelão e que pode abrigar mais de dez mil indivíduos [VABL também registra a forma camoati].