A relação entre irmãos é repleta de sentimentos ambivalentes. Além do convívio intenso e da amizade única, há também espaço para a disputa pela atenção e pelo amor dos pais. Para o protagonista de Elegia do Irmão, todo esse carinho e intensidade repentinamente se converte em ausência. Como lidar com a morte precitada de alguém tão próximo? É o que investiga João Anzanello Carrascoza neste romance em que volta a explorar vínculos familiares com sua prosa original e lírica.
Diagnosticada com uma doença grave, a jovem professora Mara, irmã do narrador, passa por um período conturbado de tratamento, em que a família tenta inutilmente reunir esforços para sua recuperação.
O texto é repleto de metáforas e musicalidade. Em alguns momentos, a prosa dá lugar à poesia para descrever sentimentos, como a saudade, "que, às vezes, se recolhe como um fole em repouso,/ e, às vezes, se infla a ponto de vomitar um vendaval".
Sem ser piegas, Carrascoza consegue construir reflexões tocantes sobre dor, fragilidade e superação. O escritor, com mais de 30 livros lançados, entre romances, contos e infantojuvenis, afirma que não se inspirou em uma única experiência para a narrativa, mas em diferentes episódios de sua vida:
– Levei em conta para dar vigor à evocação do narrador da Elegia as minhas dolorosas perdas passadas, assim como no Caderno de um Ausente (2014), que de tão sincera a dicção do narrador chegaram a confundir com autoficção. Não houve uma perda recente que disparou o impulso de contar essa história. Talvez tenha vindo do meu livro anterior, Catálogo de Perdas (2017), no qual todos os contos são sobre o tema. Desta vez, a prosa é longa, com maior extensão e pesar.
Com trajetória premiada, colecionando troféus como o Jabuti e o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, Carrascoza comemora o fato de conseguir editar seus livros no atual contexto brasileiro.
– A literatura, como toda arte, é um deslocamento para o mundo do sensível, e vivemos um tempo de brutalidade – afirma o escritor. – Estamos singrando águas turvas, que doem em nosso corpo como rajadas de pedras.
ELEGIA DO IRMÃO
De João Anzanello Carrascoza
Romance, Alfaguara, 152 páginas, R$ 49,90.
Confira mais lançamentos
Matadouro-Cinco
De Kurt Vonnegut
Para comemorar os 50 anos do livro mais conhecido de Kurt Vonnegut (1922–2007), a Intrínseca preparou esta edição especial em capa dura. Como prisioneiro de guerra, o autor testemunhou, em 1945, a morte de milhares de civis, a maior parte deles por queimaduras e asfixia, no bombardeio que destruiu a cidade alemã de Dresden. Billy Pilgrim, protagonista do romance, também testemunha a destruição da mesmo local. De volta à vida nos EUA, o personagem escreve um relato sobre o que viu, intercalado com episódios fantásticos. Tradução de Daniel Pellizzari. Romance, Intrínseca, 288 páginas, R$ 44,90
Minha Coisa Favorita é Monstro
De Emil Ferris
Trabalho de estreia da americana Emil Ferris, esta HQ é um trabalho descomunal de artes gráficas. Consiste em mais de 400 páginas desenhadas com caneta esferográfica, compostas com variadas cores e grande detalhamento, resultado de cinco anos de trabalho contínuo. Os desenhos reproduzem o diário de uma garota de 10 anos que investiga o assassinato de uma vizinha. A protagonista vive na violenta Chicago dos anos 1960, e sua busca para desvendar a morte passa por dramas familiares e memórias de guerra de diferentes personagens. Tradução de Érico Assis. Graphic novel, Quadrinhos na Cia., 412 páginas, R$ 134,90
As Bruxas
De Stacy Schiff
Em 1962, a puritana aldeia de Salem assistiu à execução de 14 mulheres, cinco homens e dois cachorros – todos sob acusação de bruxaria. O episódio, que inspirou o dramaturgo Arthur Miller a escrever As Bruxas de Salem (1953), é revisitado agora pela jornalista americana Stacy Schiff, vencedora do Pulitzer em 2000, com Véra: Mrs. Vladimir Nabokov. A partir de uma meticulosa pesquisa, a autora contextualiza uma época de obscurantismo e detalha como um surto coletivo de uma comunidade teve consequências trágicas. Tradução de José Rubens Siqueira. Reportagem, Zahar, 324 páginas, R$ 89,90
O Cão e os Caluandas
De Pepetela
Por meio do selo Vozes da África, a editora Kapulana tem oferecido títulos consagrados em seus países de origem, mas ainda pouco trabalhados por aqui. É o caso deste romance do angolano Pepetela, que investiga o curioso caso de um cão pastor alemão que vaga sem dono por Luanda. No livro, um escritor tenta reconstruir por meio de relatos e entrevistas a maneira como o animal afetou a vida dos habitantes com que conviveu – "caluandas" é o modo como são designados os angolanos de Luanda. A narrativa se passa em 1980, cinco anos após a independência do país, compondo um mosaico da sociedade local da época. Romance, Kapulana, 172 páginas, R$ 44,90