A crônica, como vem sendo praticada na imprensa brasileira há bem uns cem anos, assumiu algumas vertentes bem reconhecíveis: a opinião informada, a divagação lírica, a reflexão intelectual com ou sem pitadas de humor ou melancolia. Normalmente, os praticantes de uma delas se mantêm fiéis ao estilo ao qual se vincularam, e o que chama a atenção em Não Existe Mais Dia Seguinte, livro que o jornalista Victor Necchi autografa sábado (20), é como, à feição de um viajante explorando trilhas, ele consegue trabalhar com praticamente todas essas correntes.
Não Existe Mais Dia Seguinte compila 70 textos de extensão variável que já haviam ganhado o mundo em formatos diversos – jornais e revistas, mas também, em um claro reflexo do espírito do tempo, em meios eletrônicos como um blog e o perfil do autor no Facebook. São crônicas que passeiam por vários interesses e paixões, pessoais, literárias, profissionais, familiares.
Há textos que são experimentos líricos à moda da crônica rubem-braguiana, como o primeiro do livro, Provas de que Vivi, em que declara que gostaria de se "ver em muitas fotos que não existem", e se dedica a recordar instantes felizes de sua vida sem registro em nenhum lugar além de sua memória.
Há relatos breves e ágeis sobre cenas do cotidiano, como a conversa com um entregador de gás em Epopeia Erótico-Hidráulica e fábulas bem-humoradas como Cachorrada Celestial. Jornalista e pesquisador, Necchi também reflete sobre a imprensa e o jornalismo como ofício.
As crônicas de Necchi também se espraiam para outros temas. Há textos sobre a transmissão de afetos familiares e a passagem do tempo, em delicadas declarações de amor a seus avós idosos. Há reflexões sobre paixões estéticas formativas, como Raduan Nassar, Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Nina Simone, Jessey Norman e outros.
Há também divagações sobre a morte, seja a própria finitude ou elegias para amigos ausentes, como o jornalista e crítico de cinema Tuio Becker (1943 – 2008), de quem Necchi foi colega na redação de Zero Hora, ou o escritor João Gilberto Noll (1946 – 2017).
Não são textos mórbidos, ao contrário, fazem sentido em um livro feito para, a exemplo de seu texto de abertura, cristalizar memórias. Como o próprio autor confessa:
"Para quase tudo, projeto a eternidade. Se os faraós conseguiram, por que eu não?"
Não existe mais dia seguinte
De Vitor Necchi.
Crônicas. Editora Taverna, 198 páginas, R$ 44,90.
Lançamento e sessão de autógrafos sábado (20), às 17h, na Livraria Taverna (Rua Cel. Fernando Machado, 370, Centro Histórico)