Um poeta, como todo criador, não é obrigado a fazer nada que não queira. Mas um leitor consciencioso de poesia talvez pudesse ter o direito de esperar algumas coisas. A saber: rigor de linguagem; diálogo produtivo (e não apenas cosmético) com a longa tradição de uma das mais antigas formas literárias; uma identidade própria, mesmo fazendo referência ao grande arquivo literário, e, finalmente, uma espécie de assombro que é obtida da soma do conjunto mais do que das pequenas conquistas técnicas de cada parte. São coisas que o poeta Ronald Augusto vem oferecendo com consistência a cada novo livro, como Entre uma Praia e Outra, coletânea que ele lança no sábado, dia 1º de setembro, em Porto Alegre.
Ronald Augusto é um poeta em atividade desde os anos 1980 (seu primeiro livro, Homem ao Rubro, é de 1983) que passa por um período de atividade febril nos últimos anos. Se entre No Assoalho Duro, de 2007, e Empresto do Visitante, de 2013, foram seis anos sem um volume de inéditos, desde então ele lançou um livro por ano: Mnemetrônomo (2014), Nem Raro nem Claro (2015), À Ipásia que o Espera (2016) e Subir ao Mural (2017) – neste, já fazia a reinvenção simbólica do mar e do litoral presente no novo livro.
Entre uma Praia e Outra tem sua estrutura anunciada no título. São três agrupamentos de poemas. O primeiro e o terceiro trazem praias como tema de referência. Cada poema é um recorte de uma cena revista por versos que sabem aproveitar conquistas contemporâneas sem abrir mão de certa visualidade ("Andorinhas durinhas/ no frio dos fios. // encrespam suas penas para/ espantar o demorado molhado/ da chuva").
No meio desses marcos, poemas de temática e fatura mais esparsa. Há leituras de outros poetas, crítica indignada a estruturas e totens sociais e intelectuais (Auto/ denominam-/ se/ ramagens inteligentes e/ todavia/ engatam farfalatório/ num esgalho do pensamento”) Há também espaço para navalhadas na hipocrisia racial ("O preconceito racial vive – abre/ os olhos hiberna numa zona intermédia/ entre o costume história como texto divino/ hábito treta milenar e o reino da estupidez/ congenial ao nascimento/ sentimental intelectual da/ alma – sopro do macaco desnudo depelado").
Como se vê, Ronald Augusto é um autor que leva a sério a ideia de que a palavra não é um signo transparente que deve sair do caminho em favor do sentido. Seus poemas são construídos já na escolha do vocabulário, com uma dicção que critica a oralidade por sua solidez e corrompe sua própria solenidade com escolhas coloquiais. Entre essas duas praias, flui a poesia.
Entre uma praia e outra
Ronald Augusto
Poesia. Artes & Ecos, 76 páginas, R$ 35
Lançamento e sessão de autógrafos no sábado, às 15h, no VIdal Café (Rua Mata Bacelar, 52, em Porto Alegre)
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NOTÍCIAS DO MUNDO DO LIVRO:
> A escritora CAROLA SAAVEDRA, autora de Flores Azuis (2008) e O Inventário das Coisas Ausentes (2014), um dos nomes reconhecidos da nova geração de ficcionistas, vem a Porto Alegre em outubro para lançar seu romance mais recente, Com Armas Sonolentas, editado, como os demais, pela Companhia das Letras. A função será realizada na LIVRARIA BALEIA (Rua Santana, 252).
> A Companhia das Letras fechou parceria com o Google para entrar no mercado de audiolivros usando a plataforma da empresa americana, lançada em julho. A Companhia disponibilizou esta semana 15 títulos, que incluem 21 Lições para o Século 21 e Homo Deus, do best-seller israelense YUVAL HARARI, e Um Coração Ardente, de LYGIA FAGUNDES TELLES, entre outros.
PAULO RIBEIRO lança no dia 14 de setembro seu livro Olhos Castrados. É o segundo romance de Ribeiro lançado este ano, e o segundo episódio do Ciclo de Oaio, série de cinco romances iniciada com Um Cara Coçava as Costas da Minha Mãe no Baile, publicado no primeiro semestre. Na saga literária, Ribeiro narra o cotidiano de uma cidade de interior tomada por imigrantes americanos.