O humorista e apresentador Jô Soares manteve durante muito tempo um arquivo em seu computador com o nome de BIO – ali, pretendia escrever a sua autobiografia.
– Mas o máximo que consegui foi colar um texto que o Millôr Fernandes fez sobre mim e uma ou outra frase – conta ele, sem esconder a frustração.
A virada de jogo ocorreu quando recebeu a visita de Luiz Schwarcz e Matinas Suzuki Jr., da Companhia das Letras – incentivado pela dupla, Jô decidiu fazer a viagem pelo seu tempo, mas desde que acompanhado por Matinas.
– Eu me expresso melhor oralmente – justificou.
Assim, em março, eles começaram a se encontrar no apartamento de Jô, no bairro de Higienópolis, e, depois de 104 encontros (alguns chegaram a beirar três horas) e uma enormidade de material gravado, nasceu O Livro de Jô – Uma Autobiografia Desautorizada, que a Companhia das Letras acaba de lançar. Trata-se, na verdade, do volume 1.
– São tantas as histórias que o livro ficaria com mais de 700 páginas – conta Matinas, que convenceu Jô a dividir em dois volumes – o próximo deve sair no final de 2018.
De fato, mesmo tratando desde o nascimento do apresentador, em 1938, até o final da década de 1960, o livro é repleto de histórias incríveis, muitas esquecidas e resgatadas graças à prodigiosa memória de Jô e ao afinco de Matinas e sua equipe em pesquisar todos os detalhes. E não foi pouca coisa – perto de completar 80 anos (em 16 de janeiro), José Eugênio Soares não apenas testemunhou momentos determinantes da cultura brasileira como fez parte de boa parte deles.
– Sou a soma do que devo aos meus pais, Mercedes e Orlando, e também aos meus amigos – conta ele. – O livro é fruto do conjunto desses encontros.
E são tantas as histórias que o repórter brincou com o apresentador, tratando-o como o Forrest Gump brasileiro, referência ao personagem (vivido por Tom Hanks no cinema) que presenciou os fatos mais importantes dos EUA.
– Sim – concordou, para arrematar com um largo sorriso: – Mas um Forrest consciente.
Filho único de pais de espírito livre, Jô recebeu uma educação humanista, voltada para as artes. Vivendo no Rio de Janeiro, acompanhou a trágica final da Copa de 1950, no Maracanã. Passou uma temporada em Nova York e estudou em colégio interno suíço, período em que acompanhou outro Mundial de futebol, o de 1954, e também desenvolveu o pendor para a música (jazz, em especial), as artes visuais (é fã, entre outras, da Pop Art) e a habilidade com o humor.
– Sempre fui um menino atrevido, que não se envergonhava em puxar conversa com celebridades – lembra ele.
Lágrimas durante as entrevistas
Em um desses momentos, ele conseguiu conhecer o ateliê do pintor americano Roy Lichtenstein (1923 – 1997), um dos papas da arte moderna.
– Adoro sua obra e, uma vez em Nova York, procurei seu nome na lista telefônica, liguei e ele foi muito gentil ao me receber – relembra Jô.
Esse primeiro volume resgata, portanto, momentos marcantes da vida e da carreira do apresentador, desde a infância vivida no Anexo do Copacabana Palace até a chegada na televisão, onde conviveu com nomes lendários como Silveira Sampaio e Nilton Travesso, sem se esquecer de locais famosos, como o Nick-Bar, ao lado do Teatro Brasileiro de Comédia, ou o Gigetto, em seu primeiro endereço, em frente ao Cultura Artística.
– As lembranças mexeram com ele – conta Matinas. – Muitas vezes, além de chorar, Jô interrompia a conversa para telefonar para a pessoa da qual falávamos.
Dois momentos ainda provocam as lágrimas do apresentador: a lembrança do filho, Rafael, que tinha autismo e morreu em 2014, aos 51 anos, de câncer, e da mãe, Mercedes, que foi atropelada por um táxi, no Rio de Janeiro, em 1968.
Atualmente, Jô vive o período sabático da Globo, mas não deve voltar à televisão – sua maior preocupação é o teatro, especialmente a peça A Noite de 16 de Janeiro, que deverá montar em 2018.
– É a minha maior preocupação agora. Assunto para o próximo volume.
* Estadão Conteúdo