Uma das principais vozes da literatura de autoria negra no Brasil, a escritora Conceição Evaristo conversou nesta terça-feira com os leitores na Feira do Livro. O público lotou o Teatro Carlos Urbim, maior espaço do evento, para ouvir a autora de Olhos d’Água tratar de temas como a representação da mulher negra na ficção e o papel da literatura na criação de uma identidade coletiva.
A escritora foi recebida pelo professor Luiz Maurício Azevedo e pela jornalista Priscila Pasko. Conceição começou o bate-papo explicando a importância da tradição oral em sua formação familiar:
– Não nasci rodeada de livros. Nasci rodeada de palavras. Tenho tentado o mais possível estar próxima dessa herança que me foi conferida. É uma herança da cultura africana, das mulheres que me antecederam. Pessoas que mal iniciaram a formação escolar, mas eram donas de outro saber. Foram essas mulheres que me introduziram no mundo da literatura.
Hoje com 70 anos, Conceição começou a publicar seus primeiros livros no início dos anos 2000, mas só passou a ser reconhecida por grandes eventos literários nos últimos anos, depois de vencer um Prêmio Jabuti, em 2015.
– A valorização atual das escritoras negras partiu muito dos nossos esforços, das nossas lutas. O primeiro lugar de recepção dos meus textos foi o movimento social negro, principalmente pelas mulheres professoras, que levavam esses textos para a sala de aula. Hoje, meus textos já são lidos em outras situações, mas quem os legitimou em primeiro lugar foi o movimento. E também há hoje a importância de alguns pesquisadores de ponta de dentro da academia. Já temos alguns pesquisadores não negros que defendem a inclusão de nossos nomes nas universidades e no vestibular.
Além de tratar da importância das escritoras negras, Conceição também analisou como as personagens negras têm mudado ao logo do tempo:
– Na literatura brasileira canônica, a personagem negra como mãe é muito rara. As obras que marcam essa construção da personagem negra, como Gabriela, de Jorge Amado, ou Menino de Engenho, de José Lins do Rego, têm mulheres negras sexualizadas, muitas vezes responsáveis pela iniciação sexual dos meninos. Na cosmogonia africana, há o papel fecundante das mulheres, que vai além da fecundação física. É por isso que nós, autoras negras, damos tanta atenção às cosmogonias. A literatura é uma possibilidade de criação de identidade coletiva. Para um povo de diáspora, isso é importante. É um modo de escrever sobre uma origem que não conhecemos.