
“Como é grande o valor que tu tens,
E imensas são as possibilidades
São dois caminhos para escolher,
Um leva à prisão e o outro à liberdade.”
O trecho acima faz parte do terceiro volume do livro Vozes de um Tempo, escrito por 112 apenados de penitenciárias do Rio Grande do Sul. Lançado na tarde desta quinta-feira (16), na Feira do Livro de Porto Alegre, a obra traz – em forma de crônicas, poesias, narrativas e ilustrações – relatos e vivências de pessoas privadas de liberdade que, em sua maioria, tiveram pouco ou nenhum contato com a literatura. São 186 páginas que contemplam mais de 100 produções de pessoas de todos regimes prisionais: fechado, semiaberto e aberto.
— É uma maneira que a gente tem de expor o que estamos sentindo. É ver tudo aquilo que a gente já passou de ruim se tornar algo de bom na vida da gente – relata Telma Maria Gomes.
Na Praça da Alfândega, a Tenda de Pasárgada encheu de visitantes que estiveram na Feira para prestigiar os quatro apenados que vieram representando o grupo todo para a sessão de autógrafos. Essa é a segunda vez que Jorge Araújo participa como um dos autores do livro. Ele conta que não teve hora certa para começar a escrever. Quando o texto vinha em sua cabeça, precisava ser passado para o papel.
– Um preso que lê Machado de Assis, José de Alencar... falando assim ninguém acredita, mas é o que acontece. Para mim, escrever é uma coisa que não tem hora, às vezes eu acordava na madrugada com um texto na cabeça, aí tinha que escrever na hora. A sociedade nem imagina que um preso vai tá escrevendo de madrugada, mas é o que acontece, eu passei por isso – compartilha Araújo.
Estreante em Vozes de um Tempo, Gérson Luis Barbosa já tinha o hábito de compor letras de música. Enquanto cumpre pena na Penitenciária Estadual de Canoas, ele aproveita para estudar e manter contato com a leitura e a escrita:
– A música nada mais é do que poesia, e as letras que faço, faço com amor. Quando eu entrei, era um miserável, cheguei lá com o Ensino Fundamental, hoje faço o Ensino Médio. E, enquanto eu tiver que pagar pelo o que fiz de errado, vou seguir estudando.
A iniciativa faz parte do projeto Passaporte para o Futuro, realizado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) em parceria com o Banco de Livros do RS, que destina livros a quem está privado de liberdade, com o objetivo de incentivar a leitura.
– Os apenados estão lendo muito, a gente vai aos presídios, e eles nos pedem mais e mais livros. Eles estão lendo, estão escrevendo e isso para nós é de muita satisfação – comenta Waldir da Silveira, presidente do Banco de Livros do RS, destacando a importância da doação de livros para a instituição.
Além disso, o setor de Educação Prisional do Departamento de Tratamento Penal da Susepe também viabiliza o acesso à educação formal para promover a inclusão dos apenados na sociedade.
– A pessoa que lê, realmente vai buscar algo mais para o futuro, vai se exigir um pouco mais no dia a dia, nos espaços em que vai dividir com os demais apenados. E com o livro que estamos lançando hoje, temos a certeza de que alguma coisa está sendo transformada na vida dessas pessoas – explica Ana Dreher, coordenadora do setor de Educação Prisional da Susepe.
A obra foi organizada e montada pelo setor de Educação Prisional e pelo Banco de Livros, em parceria com a Uniritter. Um grupo de trabalho formado por representantes das entidades ficou responsável por conferir a originalidade dos textos e selecionar as produções que entrariam para esse volume do livro. No total, foram 280 trabalhos enviados.
– Nós acreditamos que estamos dando voz a quem, historicamente, não possui voz. Infelizmente a sociedade vê o apenado como uma coisa a parte, evita falar sobre ele, saber dele. Só que as pessoas esquecem que o apenado cumpre a pena e volta para a sociedade. Então o nosso papel é dar voz a quem está sendo silenciado – comenta Neli Miotto, que faz parte da comissão organizadora do livro.