O apresentador Zeca Camargo contou aos participantes da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo que está vivendo seu maior desafio literário: escrever a biografia da cantora Elza Soares.
– É uma montanha que estou escalando. É a minha Montanha Mágica – comparou o jornalista, citando o livro de Thomas Mann, em coletiva de imprensa.
Zeca foi convidado por Elza depois da negativa de Ruy Castro, autor de Estrela Solitária, sobre a vida de Garrincha, recusar a participação no projeto.
– Ruy foi taxativo, disse que não faz biografia de gente viva. Elza disse: "Então vou fazer com esse menino, que eu gosto muito". Ela me chama de menino. Do alto de seus 87 anos, parece que eu nasci ontem — diverte-se Zeca.
Como é escrever a biografia de um ídolo?
É muito delicado. Nesses anos de jornalismo, aprendi a separar o tiete do repórter. É uma regra de ouro. O artista que está sendo entrevistado odeia ser tietado. Você está lá para fazer uma entrevista que tem que gerar um texto bacana. No caso da biografia, esse exercício que aprendi a fazer cotidianamente precisa ser exercido em uma dimensão muito maior. Em vários momentos que estou com a Elza viajo, penso “não acredito que ela está me contando isso”. Essa janela que o livro abre é muito mais íntima do que uma entrevista corriqueira. Comecei a esboçar textos, mas no momento ainda estou organizando essa infinidade de eventos. Quem gosta muito de futebol talvez lembre da relação dela com o Garrincha, mas isso é uma parte, uma fração da vida da Elza. Acho que, na biografia, vai fazer todo sentido no contexto de quem ela era antes e como se comportou durante essa relação, que foi de extremo amor, além das consequências que teve em sua vida.
Há prazo para a publicação?
Não (risos). Tem. Claro que tem. Mas não vou fechar agora porque há o entendimento de que rendeu muito mais que o previsto. Era uma coisa que a gente imaginava poder lançar no final deste ano, mas se desdobrou em algo muito maior, que merece ficar mais caprichado. Então no início do ano que vem a gente quer ter isso pronto.
Tem lido biografias para se inspirar? Quais tem lhe impressionado (Zeca estava carregando um exemplar de Machado, de Silviano Santiago, sobre a vida de Machado de Assis)?
Vou falar novamente de um ídolo aqui. O Morrisey, cantor dos Smiths, grande poeta, usa na biografia dele uma leveza, uma ironia, uma fineza... Como estilo, adoraria esbarrar nisso. Mas o que é mais interessante para mim, uma grande preocupação minha, é que, como jornalista, você quer contar tudo, todos os detalhes, mas aprendi com todas essas biografias, do Silviano ao Morrisey, que a biografia é uma licença para você viajar na vida da pessoa, com fatos, momentos marcantes, mas menos com datas, menos com a esquina de tal rua, menos com o número do apartamento... Isso é uma ironia, pois a Elza lembra dos números das casas em que morou nos anos 1950. Há também uma biografia do David Bowie, de um jornalista inglês, que conta a história pelas músicas do David Bowie. É sensacional. Parafraseando isso, fui visitar todas as casas em que Elza morou, porque cada casa tem um pedaço da vida dela.