Dois livros lançados este ano no Brasil representam facetas diversas do trabalho de José Luís Peixoto, considerado um dos principais autores portugueses de sua geração. Convidado da Flip deste ano como parte da programação da Casa Amado e Saramago, Peixoto teve seu romance mais recente, Em Teu Ventre, lançado por aqui quase ao mesmo tempo que seu primeiro livro de poemas, A Criança em Ruínas, publicado originalmente em 2012 e agora lançado pela Dublinense.
São duas obras de momentos distintos da carreira do autor, mas que carregam inegáveis afinidades temáticas. Os poemas, publicados em Portugal em 2001, trazem já no título a vinculação com o universo da infância e da memória familiar. ("na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco/ enquanto um de nós estiver vivo, seremos/ sempre cinco", diz o poema de abertura). Por ser uma obra de estreia no formato, é também bastante irregular. Muitos dos poemas são calcados em repetições de linhas e de estruturas - o que é um método garantido para se ter ritmo e musicalidade, mas que compromete em muitas ocasiões a tensão necessária a que os versos parecem se dirigir. Imagens e metáforas enumeradas em sequência são também predominantes, às vezes cedendo à ambiguidade sintática ("Caminha pelo teu corpo um silêncio como uma aragem/ como um martírio triste como um homem cansado/ como a morte ao fim da tarde como um rio/ como um silêncio profundo a levar-te")
Já Em Teu Ventre é um romance que reconstitui em uma estrutura fragmentada e polifônica as supostas aparições de Nossa Senhora a três crianças pastoras da cidade de Fátima, na região central de Portugal, em 1917. A narrativa ora acompanha Lúcia, a jovem que ouviu as "revelações" da aparição, ora enfoca Maria, a mãe da menina. Mais do considerações sobre fé e santidade, ou do que preocupar-se em oferecer uma explicação para o fenômeno ou mesmo narrá-lo como verídico, Em Teu Ventre é um texto sobre representações da maternidade. Maria, a sofrida e rígida mãe de Lúcia, é uma figura que rima, a seu modo, com a Maria celestial das visões de Lúcia, mãe do Cristo. Há também estranhas intervenções que parecem dar voz à mãe do próprio escritor, comentando e por vezes deplorando aquela tentativa de seu filho de transformar a mãe no centro de um romance. É um conjunto exótico que se revela maior do que a soma de suas partes.