A última vez que acompanhamos Harry, Rony e Hermione nas páginas dos livros já faz quase uma década. Na Plataforma 9 3/4, os bruxos estavam enviando os herdeiros para a tradicional escola de magia e bruxaria – a até então despedida da saga de J.K. Rowling mostrava como estava o trio dezenove anos depois da Batalha de Hogwarts. E é justamente desse ponto que parte a história de Harry Potter e a criança amaldiçoada (ZH já leu o volume inédito e, se você não quer spoilers, é bom parar por aqui). O livro lançado no último domingo, em inglês (o lançamento em português será em 31 de outubro, pela editora Rocco), retoma a cena derradeira de As relíquias da morte e não demora a confirmar: não se engane, Harry, sua cicatriz vai voltar a doer.
Baseado na peça de teatro, a obra não é um romance. O que você vai encontrar é o roteiro do espetáculo escrito por Jack Thorne, criado em conjunto com J.K. Rowling e John Tiffany – está aí a justificativa para o texto não ser muito compatível com o estilo da escritora britânica. Ou seja: divisão por cenas, foco nos diálogo e poucos detalhes – principalmente sobre os aspectos psicológicos dos personagens. Com ritmo acelerado, a história é focada em Alvo Severo Potter, o filho do meio de Gina e Harry. Carregar o peso do sobrenome é difícil para o garoto de 11 anos. Diferente do irmão mais velho, Tiago, Alvo não se acha parecido com o pai e se sente deslocado no mundo. O relacionamento dele com Harry é frio: não há cumplicidade, mas muito ressentimento.
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Regulando em faixa etária com Alvo, está Rosa, filha de Rony e Hermione. Até poderia ocorrer uma reedição do trio Granger, Potter e Wesley em Hogwarts, mas ficamos longe disso. Quem vira o braço direito de Alvo é alguém com sobrenome inesperado: Malfoy. Escórpio, filho de Draco, é uma das gratas surpresas do livro – às vezes, chega a ganhar espaço como protagonista. A amizade entre eles é um resultado dos problemas de aceitação – e bullying – que ambos sofrem. E essa aproximação foi natural: eles estão na mesma casa, a Sonserina (sim, Alvo vai para a Sonserina!), não gostam de quadribol e se sentem reprimidos pelos olhares julgadores dos demais colegas.
O enredo ganha contornos de aventura quando Alvo e Escórpio decidem fazer justiça: a ideia é usar um Vira-tempo e salvar Cedrico Diggory da morte, afinal, ele era um inocente. A ideia mirabolante é alimentada por Delphi, suposta prima de Diggory e que, ao lado do tio, Amos, pretende trazer o bruxo de volta à vida. Mas, como era de se esperar, as coisas acabam não saindo como o planejado – e o desenrolar da história tem direito a efeito borboleta (um fato do passado que altera o futuro estabelecido), mais atritos entre pai e filho e até uma aproximação de Draco e Harry.
Na prática, a história tem uma construção frágil. Não há necessariamente questões "erradas", mas alguns aspectos vagos – a própria profecia que dá liga à história parece dispensável a certa altura da trama. No fim, o livro acaba funcionando mais como uma fonte de memória afetiva aos fãs da saga, além de trazer alguns presentes aos leitores. Hermione se torna a ministra da magia, representando o poder feminino de uma filha de trouxas reconhecido em um universo cheio de preconceitos – no teatro, isso se soma à escolha de uma atriz negra para interpretar a personagem. Outra boa lembrança são as passagens com personagens antigos e momentos marcantes, como o Torneio Tribruxo, já que o Vira-tempo é muito usado na trama.
Aliás, se fosse possível, acredito que esse seria o artefato escolhido pelos pottermaníacos para existir no mundo real. Enquanto lemos o livro, a vontade é mesmo de voltar ao tempo de criança para descobrir toda a saga outra vez.