Em cartaz há três anos com o monólogo Velha D+, Fera Carvalho Leite preparava-se para levar o espetáculo que questiona o preconceito contra o envelhecimento da mulher a regiões periféricas de Porto Alegre. O projeto havia sido contemplado com verba do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte) justamente para descentralizar as apresentações e contemplar públicos que não costumam ir a teatros.
Com as enchentes tirando milhares de suas casas e levando-os a abrigos, a atriz entendeu que havia um novo tipo de plateia precisando de algumas horas de descontração.
Em apresentações de uma hora, Fera conversa com mulheres de todas as idades. Já levou a peça para três abrigos da Capital e tem data marcada em outros dois. Diante de centenas de pessoas que perderam projetos de vida e não sabem o que será do futuro, a montagem dirigida por Bob Bahlis vem sofrendo adaptações, mas nunca perde o objetivo de causar algum tipo de emoção.
— O espetáculo não é uma comédia. Ele tem momentos cômicos, mas é mais sensível. Ao mesmo tempo, traz algumas reflexões e contestações. Mas também traz acolhimento. Na medida em que essas pessoas têm as necessidades básicas atendidas nos abrigos, que oferecem alimento, vestimenta e saúde, a arte pode entrar como um caminho de cura, alento, esperança para seguir adiante — diz a atriz.
A apresentação desta quinta-feira (16), às 16h, será para abrigadas e voluntárias da Escola Municipal Grande Oriente do Rio Grande do Sul, no bairro Rubem Berta. No sábado (18), às 20h, é a vez das mulheres que estão no Centro Universitário Metodista IPA, no Rio Branco.
Um dos nomes mais conhecidas no meio teatral gaúcho, Deborah Finocchiaro também tem sido fonte de extroversão para quem espera o futuro ser decidido em colchões espalhados pelo ginásio do IPA. Inicialmente, ela fez algumas apresentações para os cerca de 180 abrigados, mas descobriu que colocá-los no palco era mais interessante do que ela ficar fazendo números diante de todos.
— Já fizemos duas edições de shows de talentos, em que eles se apresentam. Quando eu vinha e falava alguma coisa no microfone, eles até prestavam atenção, mas depois eu entendi que a necessidade deles era a de serem escutados. Então comecei a chamá-los no microfone para cantar, falar poemas. E assim começaram a aparecer os talentos. Eu sou a responsável por conduzir as apresentações — conta Deborah, que agora se organiza para dar oficinas de teatro aos desabrigados do IPA.
Deborah fez todo o tipo de doação que a sociedade tem sido incentivada a fazer para quem perdeu tudo, como roupas em bom estado e alimentos. Mas as horas trocadas olhando nos olhos de quem está em situação de vulnerabilidade extrema são valiosas, inclusive para ela:
— Eu converso, faço eles rirem. Eu dou o que gostaria de receber. Amor, alento e principalmente bom-humor. Sinto que é isso que eu tenha que estar fazendo. Essa catástrofe faz a gente repensar tudo, no valor das coisas.
A produtora Um Cultural tem levado artistas da Região Metropolitana a sete abrigos de Novo Hamburgo. Todos se apresentam de forma gratuita, sem cobrar cachê. São cerca de 15 nomes que se colocaram à disposição para injetar um pouco de alegria no dia a dia de pessoas reunidas por causa de uma tragédia.
— Temos uma agenda cultural diária. No início, os artistas ficavam inseguros sobre cantar e tocar dentro dos abrigos, justamente porque as pessoas estão muito tristes. Mas é um tempo de respiro para os desabrigados, de parar de pensar em tudo o que perderam. É uma janela que aquelas pessoas têm para ficar felizes e cantarem — explica Vivian Henkel, diretora da Um Cultural.
Betinho Klein, de Dois Irmãos, é um dos artistas convidados pela Um Cultural para ir aos abrigos. Ele leva a personagem Herta (uma senhora idosa de origem alemã), com a qual está em cartaz há mais de 10 anos, para conversar com as pessoas e fazê-las falar sobre a vida.
— Queremos mostrar um pouco que a vida continua. Mesmo com a tragédia, temos de ter música, temos de ter dança. Acho que é importante os artistas se colocarem à disposição neste momento tão difícil — pontua.