Só se enxerga a ponta da lona azul do Circo Bonaldo D'Italia, um dos circos mais tradicionais do Rio Grande do Sul. O restante da estrutura, assim como os trailers, estão embaixo da água que afundou sonhos e lares no bairro Mathias Velho, em Canoas, um dos locais mais afetados pelas enchentes e justamente onde a família Bonaldo havia se instalado para uma temporada de apresentações.
Sem saber se poderão salvar o circo que é seu lar e seu local de trabalho, os Bonaldo não têm perspectiva de quando retomarão os espetáculos. Recém saíram do abrigo onde haviam se refugiado para se acomodar em uma casa cedida por conhecidos e confortável o suficiente para oito, todos artistas que viviam da bilheteria e agora se alimentam com doações.
— Nossa casa são os trailers, os motorhomes, e ficou tudo embaixo d'água. Tudo estragou: roupas, materiais de trabalho. Foi tudo muito rápido, não deu tempo de tirar a lona, os trailers, foi muito rápido — conta Vanessa Bonaldo, 41 anos, gerente do circo, além de trapezista e acrobata.
Para ajudar artistas que foram afetados pela maior tragédia climática em solo gaúcho, o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated-RS) lançou a campanha Contrate um Artista do RS. A ideia é incentivar organizadores de eventos fora do Estado a chamarem artistas daqui enquanto a enchente seguir produzindo efeitos drásticos, como o adiamento e o cancelamento da maioria dos shows e espetáculos, o que impacta diretamente a vida de quem vive de arte.
— Há artistas em abrigos ou em casas cedidas por amigos, artistas que perderam tudo, figurino, equipamentos técnicos. Além do mais, a categoria vai ficar muito tempo sem trabalho em função dessa calamidade. A campanha é para ajudar o pessoal a se apresentar assim que possível, já que em outros Estados tudo está acontecendo normalmente, com festivais e eventos. Um grupo pode ir para a casa de outro grupo, fazer temporada em diferentes cidades — diz Luciano Fernandes, presidente do Sated-RS.
O Sated pretende criar um cadastro no site da entidade para que artistas atingidos no Rio Grande do Sul sejam localizados por empresas de fora do Estado que queiram participar da campanha. Eles também disponibilizam uma chave Pix para doações em dinheiro para artistas e técnicos das artes cênicas (90.747.635/0001-40 — CNPJ) e seguem recebendo doações de cestas básicas na Casa do Artista Riograndense (Rua Anchieta, 280), no bairro Glória, em Porto Alegre, que serão repassadas aos artistas mais afetados.
Presidente da Associação dos Músicos do Rio Grande do Sul (Assmurs), Rodrigo Lentino ressalta que artistas maiores, que não terão o bolso impactado pelo adiamento dos eventos, podem ajudar os colegas fazendo doações. Cerca de 30 mil músicos vivem no Rio Grande do Sul, segundo dados da entidade.
— A classe está impossibilitada, está todo mundo sem trabalho. Os músicos grandes conseguem se reinventar de alguma forma, só que os pequenos ficam sem condições, porque vivem de bares, de bailes. Há artistas grandes mandando donativos para atender as famílias, mas os músicos precisam pagar as contas. Não dá para viver de assistencialismo — pondera.
Segundo Lentino, a Assmurs está em contato com a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) para defender a criação de um auxílio emergencial para os artistas.