Morreu no final da manhã deste sábado (30), aos 88 anos, o ator, diretor e produtor teatral Jairo de Andrade, um dos fundadores do Teatro de Arena, palco histórico de Porto Alegre. Tido como o principal nome gaúcho do chamado "teatro de resistência", Andrade enfrentava problemas de saúde por conta de um AVC sofrido em 2015. Atualmente, ele vivia em uma casa de repouso na cidade de Campo Bom.
Conforme funcionários do local, ele havia passado mal na quinta-feira (28), sendo encaminhado ao Hospital Padre Réus, onde veio a falecer. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos, segundo informado pela família.
O velório do artista será neste domingo (31), das 8h às 14h, na capela C do Cemitério Municipal de Campo Bom. Após a cerimônia de despedida, ele será cremado.
Um operário do teatro
Nascido na cidade de Uruguaiana em 1935, Jairo de Andrade chegou a Porto Alegre em 1962 para estudar arte dramática. Na época o curso estava vinculado à Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul (URGS).
Depois de formado, criou, junto às colegas Alba Rosa, Araci Esteves e Edwiga Falej, o Grupo de Teatro Independente (GTI). O grupo era uma tentativa de desenvolver o mercado do teatro profissional em Porto Alegre, pois, na época, a maioria dos atores formados em arte dramática seguiam para a região sudeste do país.
Em 1966, o GTI apresentou montagens como A Farsa da Esposa Perfeita, de Eddy Lima; Ratos e Homens, de John Steinbeck; Esperando Godot, de Samuel Beckett; Soraya Posto 2, de Pedro Bloch; Um Elefante no Caos, de Millôr Fernandes; e O Demorado Adeus, de Tennessee Williams. As temporadas eram curtas, devido à escassez de teatros em Porto Alegre, despertando no grupo o desejo de fundar o próprio teatro.
O sonho começou a virar realidade quando, no ano seguinte, Jairo de Andrade descobriu uma área abandonada no subsolo de um edifício do viaduto Otávio Rocha, no Centro da Capital. No local, os atores ergueram com as próprias mãos o Teatro de Arena, espaço de 120 lugares que resiste até os dias de hoje na cidade. A estreia foi em 1967, com O Santo Inquérito, de Dias Gomes, apresentada sob direção de Andrade.
Tempos de repressão
Nos anos seguintes, o local passou a sofrer com a repressão da ditadura militar. As peças apresentadas ali, consideradas subversivas, ficaram na mira da censura e da repressão policial. Em outubro de 1968, forças militares ameaçaram explodir o teatro, caso o grupo prosseguisse com os ensaios da peça Feira Gaúcha de Opinião, adaptação da Primeira Feira Paulista de Opinião, encenada pelo Teatro de Arena de São Paulo.
Durante a temporada de Os Fuzis, o teatro foi invadido por tropas do exército que buscavam as armas utilizadas pelos atores no espetáculo. Andrade foi preso e torturado para que confessasse a origem das armas, que eram, na verdade, carcaças emprestadas pela Brigada Militar.
Em 1972, Andrade deixou Porto Alegre Junto com a esposa, a atriz Marlise Saueressig, por conta de perseguição política. Ele era filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e viu aumentar a repressão por parte dos militares.
Os dois retornaram à capital gaúcha em 1974 e seguiram no Teatro de Arena até o fim da década de 1970, quando se desligaram da organização espaço. Apesar do afastamento, Jairo e Marlise permaneceram acompanhando momentos importantes do espaço.
Já a história do espaço cultural foi registrada pelo jornalista Rafael Guimaraens no livro Teatro de Arena — Palco de Resistência, lançado pela editora Libretos em 2007.
Repercussão
Para o pesquisador teatral Luís Francisco Wasilewski, a morte de Jairo de Andrade deixa uma lacuna para a arte no Rio Grande do Sul.
— É uma grande perda. Ele fundou um espaço que foi histórico para a cidade de Porto Alegre, onde grandes espetáculos foram encenados e marcaram a história da cidade. O Teatro de Arena foi o palco da resistência à ditadura militar e o Jairo teve muita atuação nisso, pois fez questão de montar peças de conteúdo político em um momento de repressão. E ele construiu o teatro com as próprias mãos, foi realmente um operário do teatro — diz.
Em nota, a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) lamentou o falecimento de Jairo de Andrade. "O Estado perde, hoje, um grande e ilustre personagem do teatro de resistência e um dos principais nomes do teatro gaúcho."
Em suas redes sociais, o Teatro de Arena também despediu-se do fundador: "Jairo tornou-se o principal nome gaúcho do teatro de resistência à ditadura militar nos anos 1970, com um trabalho de valorização da dramaturgia nacional".
Jairo de Andrade deixa cinco filhos. Marlise Saueressig, companheira dele, faleceu no ano passado, aos 75 anos.