Por Hilde Guri
Coordenadora do Ibsen Scope, instituição especializada na difusão da obra de Henrik Ibsen
Vencedora do prêmio Ibsen Scope, Instinto estreou em maio em Porto Alegre e é baseada em uma peça escrita em 1866 pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Um texto que aborda questões como religiosidade, sacrifício e poder. Uma obra sobre líderes e seguidores, as massas silenciosas e a moralidade – ou a falta dela.
“Somente os perdidos são propriedade eterna.”
(Brand)
Brand, ou Instinto, é um drama em verso sobre um padre que faz as maiores exigências a si mesmo e a quem está ao seu redor. Essas exigências afetam drasticamente todos os que lhe são próximos e amados por ele. O protagonista se opõe intransigentemente ao establishment. É inabalável em suas convicções sobre o certo e o errado. Para ele, o sacrifício é uma norma absoluta. Quanto mais você se sacrificar, melhor.
Inicialmente, ao retornar a sua aldeia, ele reúne um grande grupo de seguidores, que se juntam à congregação e seguem suas normas. Os requisitos, porém, são muito altos, irrealistas para a congregação suportar. O líder acaba sendo abandonado por todos.
Na trama, quando Brand volta ao seu vale natal, ele se propõe a lapidar as pessoas que vivem lá, tirando-as do desleixo e da selvageria que ele acredita tê-las degenerado. O religioso se casa com Agnes e eles têm um filho, Alf. Quando o menino fica doente e a família precisa se afastar do clima insalubre da vila para salvar a vida da criança, Brand decide ficar e perseguir seus objetivos. Mantém a norma do sacrifício como absoluta, e seu filho morre por causa disso. Sua esposa Agnes morre logo depois. As altas exigências de Brand para a congregação da aldeia são tão severas que todos acabam por abandoná-lo também. O drama termina com Brand sendo arrastado por uma avalanche nas montanhas.
“Somente a vontade destrói ou edifica,
Vontade que nenhuma distração dispersa.”
(Brand)
Devemos compreender Brand como um idealista ou um fundamentalista? Está cego em sua fé ou nos mostrará o caminho certo? E por que Ibsen afirma que “Brand sou eu mesmo em meus melhores momentos”, quando as ações de Brand trazem tanto sofrimento? Quais são as nossas responsabilidades morais como líderes e seguidores? O chamado religioso de Brand tem uma sinceridade ardente que transcende não apenas todas as formas de comprometimento, mas também todos os traços de empatia e afeto.
Nesse sentido, Brand é um drama moral. E o desvio moral mais óbvio de Brand é a total falta de preocupação com os outros, além das exigências excessivas e totalmente irrealistas que faz aos seus semelhantes. A grandeza de Brand reside em sua vontade de alcançar a moralidade. Mas, ao mesmo tempo, sua busca pela moralidade o leva cada vez mais à antimoralidade e ao fanatismo. Isso é algo que ressoa com nossos contemporâneos e se assemelha a traços que podemos ver em nossos líderes de hoje.
“Não seja alguém hoje, amanhã,
E outrem daqui a um ano,
Seja o que você é com todo o seu coração,
E não em pedaços ou em partes.”
(Brand)
A principal característica de Brand é sua total intransigência. Sua regra de vida é “tudo ou nada”. Ou você dá tudo, inclusive a vida, ou o que você der não significará nada.
Brand tem sido visto como um santo e um sádico – idealista e fanático. Brand é um personagem marcado pela grandeza, por dons e um poder fora do comum. Ele se refere à sua própria missão como a de salvar o mundo. E acaba completamente sozinho.
Instinto
Uma montagem do Projeto Gompa dirigida por Camila Bauer. Com Alexsander Vidaleti, Fabiane Severo, Liane Venturella e Nelson Diniz. Após as exibições no festival Palco Giratório Sesc, a montagem tem sessões marcadas para esta sexta, sábado e domingo (2, 3 e 4/6), às 19h, no Teatro Oficina Olga Reverbel do Multipalco Eva Sopher (Praça Marechal Deodoro, s/nº), em Porto Alegre. Ingressos entre R$ 20 e R$ 40, disponíveis em theatrosaopedro.eleventickets.com.