Um espetáculo para celebrar o amor. Essa é a proposta do Cabaré do Amor Rasgado, da Cia. Rústica, que dá sequência ao Cabaré da Mulher Braba — que inaugurou, no início de março, a Zona Cultural, espaço de Porto Alegre gerenciado por artistas. As sessões de estreia são nesta quinta (20) e sexta-feira (21), às 20h, com entrada gratuita, mas as senhas estão esgotadas. No sábado (22), a montagem entra em temporada, com ingressos a R$ 50 pelo Sympla (veja detalhes ao final do texto).
Assim como o espetáculo anterior, o Cabaré do Amor Rasgado reúne diferentes linguagens e abordagens, mesclando teatro, dança, música e circo, em uma composição característica do cabaré.
As duas obras se passam em outra época e estão inseridas em um mesmo fio temático: enquanto a primeira falava da raiva, a mais recente aborda o amor. Mas raiva e amor não são opostos, e sim emoções e impulsos que, de alguma forma, se complementam, defende a diretora do espetáculo e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Patrícia Fagundes. A montagem aborda o amor como algo que compõe os indivíduos, além de ser uma força de vida e possibilidade de transformação, permitindo, ainda, outros modos de convívio e uma partilha coletiva.
Este cabaré imagina uma situação em que o amor é proibido, porque não é lucrativo, como explica Patrícia:
— O amor, nesse sentido expandido que a gente fala, não é incentivado no mundo em que a gente vive hoje. O que é incentivado é o medo, ódio, desconfiança, falta de autoestima, que vendem mais.
Porém, alguns amantes se reúnem em cabarés clandestinos para continuar celebrando as possibilidades amorosas de existência e praticar emoções proibidas. Ali, os personagens fazem ações, jogos e festas para manter viva essa chama.
— Em toda regra, opressão, tem frestas e desvios, onde vão se infiltrando essas subversões festivas, que é a ideia do cabaré — acrescenta.
Sem vergonha de amar
Conforme o elenco, será um cabaré sem vergonha de expor emoções, com diferentes formas de amor: romântico, fraterno, amor pelo mundo, por sonhos, ideias, amor de família, amor LGBT+, entre outros.
— A gente está celebrando toda forma de amor, já que qualquer maneira de amor vale a pena — salienta a diretora.
Intérprete do romântico e debochado Hermenegildo (inspirado em Hermenegildo Firmeza, nome que o ator achava engraçado quando criança no Ceará), Heinz Limaverde reforça que a principal mensagem é a importância do respeito a todas as formas de amar — e o amor assumido, neste momento, torna-se fundamental.
— É muito importante a gente falar de amor neste momento, em que a gente encontra tanta guerra, tanta violência, até dentro da escola — afirma o ator, que também é professor. — O cabaré traz isso por meio da música, das imagens e do texto, de valorizar essa coisa tão importante que é o amor, de todas as formas, viver o amor com intensidade.
Além da festividade, há convites à reflexão — evidenciada pela crítica ao peso do amor romântico, que estipula que é impossível ser feliz sozinho, e à associação entre amor e sofrimento. Portanto, o espetáculo apresenta também um olhar feminista.
A obra traz ainda brincadeiras e músicas românticas, evidenciando questões que tangem a todos, como o exagero do amor. Porém, mesmo com o riso presente, aborda questões sérias e chama a atenção para aquilo em que o amor pode se transformar — às vezes, um amor doentio ou o ciúme podem culminar em uma tragédia.
Quem assistiu ao Cabaré da Mulher Braba reencontrará figuras e conhecerá algumas novas. O elenco também é formado por Sandra Possani, Ander, Diego Nardi, Iassanã Martins, Juliana Kersting, Phill Coutinho, André Varela e Roberta Alfaya — alguns dos nomes envolvidos na criação da Zona Cultural.
— É uma ideia de dramaturgia que acho inovadora no campo do teatro. A gente vê no audiovisual essa coisa seriada. Os dois estão dentro do mesmo projeto, com a mesma estrutura de cenário, mesma organização narrativa — explica a diretora.
O maior desafio é justamente produzir os dois trabalhos (nos quais o elenco está envolvido desde fevereiro), pois, apesar de terem a mesma estrutura, são distintos, conta Limaverde. As figuras se comportam até mesmo de maneiras diferentes. Além disso, os atores e atrizes cantam mais do que no primeiro espetáculo.
O cabaré também volta a contar com uma oficina aberta ao público (por meio do Fundo de Apoio à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul), na qual um número é criado e apresentado no espetáculo nas sessões de estreia. A experiência desafiadora busca abrir o processo criativo e permitir trocas com diferentes pessoas.
Um gênero à brasileira
Os cabarés são queridos pela Cia. Rústica. Há 15 anos, o grupo investe no gênero como referência, por servir como um modelo cênico "dissidente". A professora e diretora explica que os cabarés chegaram ao Brasil como uma linguagem artística por meio de grupos europeus. Porém, em solo brasileiro, transformaram-se, com o auxílio da "fantástica máquina popular antropofágica" de modificar o que vem da Europa. Características que, na visão de Patrícia, têm tudo a ver com a arte contemporânea foram mantidas, como a mistura de diferentes artes.
A Cia. Rústica aposta na força dos cabarés por diversos motivos: eles correspondem à busca por uma proximidade com o público, permitindo o encontro que a sociedade carece em meio à proliferação de meios virtuais; carregam a faceta da festividade — e o teatro é uma festa, lembra Patrícia; bem como misturam humor, crítica política, reflexão poética e momentos sensíveis.
— Toda essa mistura constitui o cabaré, nos constitui, constitui o que é o Brasil e a arte contemporânea, com misturas, atravessamentos e subversões — pontua.
Ambos os espetáculos são parte do projeto Cabarés do Sul do Mundo. Além de se articular com as produções da Cia. Rústica, a iniciativa é também uma pesquisa na universidade. A professora descreve o projeto como um território criativo amplo que também propõe conexões. Ele enfatiza uma busca pelos fazeres do sul do mundo, reconhecendo o legado europeu nas artes cênicas e nos modos de vida, mas transformando-o e indo além, de modo a conhecer o que é próprio do fazer dessa região, com suas "gambiarras criativas", e buscar a força dessa produção artística.
A Zona Cultural, novo espaço de Porto Alegre, é um território para a classe artística se encontrar e ter a oportunidades de trabalho ao criar, pensar e exibir a arte produzida no RS. De acordo com os administradores, o local tem tido uma boa aceitação — a temporada do Cabaré da Mulher Braba teve sessões lotadas.
Os artistas têm colaborado e investido voluntariamente no espaço. Agora, estão em busca de apoio e patrocínio.
— Não é um projeto para um grupo, mas para a cidade. A cidade tem uma produção cênica superintensa e qualificada; porém, tem poucos espaços, vários fecharam. É uma iniciativa de interesse público e merece financiamento e apoio público — destaca Patrícia, que acredita que fazer arte e teatro no país e no tempo atual é um movimento de resistência. — A gente acredita no potencial da cidade e no que podemos ser.
Cabaré do Amor Rasgado
- Nesta quinta (20) e sexta (21), às 20h, com entrada franca (senhas já esgotadas). No sábado (22) e domingo (23), às 20h, com ingressos a R$ 50, pelo site Sympla, ou R$ 60 na bilheteria do local, na hora. A partir do dia 28, de sexta a domingo, até 7 de maio, também com entradas à venda nos mesmos pontos.
- Na Zona Cultural (Av. Alberto Bins, 900, bairro Centro Histórico), em Porto Alegre.
- Classificação: 14 anos. Duração: 80 minutos.