Em uma madrugada atravessada por uma fatalidade, três casais estão reunidos em um pequeno apartamento. Todos têm envolvimento com o teatro ou, pelo menos, com o meio artístico. Em meio a discussões e cicatrizes do passado sendo abertas, há a ideia de uma peça a ser desenvolvida. Esse espetáculo que está sendo planejado é o próprio Teatro para Pássaros, que estreia com sessões nesta sexta-feira (22) e no sábado (23), às 20h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre.
Dirigida por Breno Ketzer Saul, a montagem tem dramaturgia do argentino Daniel Veronese. É a segunda vez que o encenador trabalha com texto de Veronese: em 2015, apresentou Formas de Falar das Mães dos Mineiros Enquanto Esperam que seus Filhos Saiam à Superfície.
Teatro para Pássaros tem como ponto de partida o interesse de Ketzer pela obra do dramaturgo portenho. O diretor cultiva um apreço pelo novo teatro argentino e gosta de ir a Buenos Aires para visitar os teatros da cidade. Em relação à obra de Veronese, Ketzer destaca que é uma dramaturgia que coloca os atores em evidência.
— Ele é ator, diretor e bonequeiro (trabalha com teatro de bonecos). Tem uma intimidade muito grande com a encenação. O texto dele reflete muito essa dinâmica de ensaios — ressalta. — Traz uma fala do cotidiano, espelhando a lógica e a falta de lógica que temos nos diálogos do dia a dia.
Ketzer aponta que o texto de Veronese se contrapõe às convenções teatrais, em que um personagem fala de cada vez. Neste caso, os atores falam ao mesmo tempo e podem misturar os diálogos. Nada muito diferente de uma conversa convencional de um grupo de amigos.
Conforme o diretor, Teatro para Pássaros é uma peça "convencional" — sem arroubos conceituais, projeção ou trilha sonora. Também não há iluminação feérica.
— É um cenário simples, para uma situação muito identificável. O que a gente vai aproveitar disso é o trabalho dos atores, como essa história se desenvolve — pontua.
Com elenco que inclui nomes experientes dos palcos gaúchos, a peça apresenta um encontro de amigos no qual se discute um projeto teatral. A dona do apartamento, Teresa (Áurea Baptista), elaborou uma peça e quer que seu ex, Toni (Evandro Soldatelli), a produza. Ele é um realizador de grandes espetáculos comerciais, como musicais e séries de TV, mas com um gosto especial por comédias baratas.
Marcos (Vinícius Petry) é o atual marido de Teresa, que antes era casado com Yasmin (Raquel Zepka) — agora, mulher de Toni. Os dois tiveram uma desavença catastrófica no passado. Também há o casal formado por Rick (Dionísio Farias) e Glória (Carla Cassapo), que estão prestes a se separar e entram em discussões a todo instante.
Como se não bastasse essa reunião de três casais marcada pela incomunicabilidade e por conflitos (mas com muita ironia), há do lado de fora do prédio um corpo morto, estirado na calçada, que teria caído do 12º andar. É o segundo porteiro do condomínio que morre em 24 horas. Essas mortes se entrelaçam com a tensão permanente no encontro no apartamento.
— O texto de Veronese é instigante por si só. Quando a gente começou a montagem, se deu por conta da quantidade de camadas que as relações acabam estabelecendo — afirma Áurea. — A parte mais desafiadora é estar presente em absolutamente tudo o que acontece durante a peça. São seis personagens, muitas relações, e a Tereza está enrolada em todas elas. Então, isso é uma coisa interessante pelo ritmo que se impõe.
Em um exercício de metalinguagem, a peça que a personagem de Teresa está desenvolvendo é a própria Teatro para Pássaros a que o público está assistindo. Ou seja, o texto põe o teatro dentro do teatro.
Ketzer adverte que Teatro para Pássaros não é uma peça feita para "teatreiros". O diretor ressalta que a montagem toca em temas como o idealismo e fala sobre pessoas que querem fazer de sua vida um espetáculo, como Toni. Aliás, Soldatelli descreve seu personagem como um "sujeito triste e patético", que usa o prestígio conquistado como empresário para exercer uma espécie de poder e atrair admiração dos artistas da cena local, que correm atrás de verba para montar seus espetáculos.
— É um sujeito que se deu bem enquanto empresário, mas que na verdade gostaria de ser artista. Trata-se de uma pessoa medíocre e frustrada, que tem prazer em humilhar os artistas que não abandonaram os seus ideais, apesar de toda a dificuldade — avalia Soldatelli.
Embora a conversa aqui seja sobre as artes da cena, Ketzer reforça que Teatro para Pássaros fala também sobre ceder — algo que pode acontecer em qualquer área profissional.
— Como o esforço talvez não seja suficiente para você galgar certos espaços em sua carreira, talvez tenha que se inclinar a determinadas questões e a se submeter a várias frustrações na vida. Você cede porque tem que ganhar dinheiro. A peça fala sobre esse embate de quem defende os ideais e quem age como sendo um bom negócio, como uma forma de ganhar dinheiro e se projetar — conclui o diretor.
"Teatro para Pássaros"
- Sexta-feira (22) e sábado (23), às 20h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre.
- Classificação etária: 12 anos
- Ingressos: R$ 50 pelo site da Sympla.