São muitos os movimentos necessários para que alguém consiga viver da dança. E eles variam do apoio da família às condições de cada um, passando, é claro, pelo empenho e aprimoramento. É nesse ritmo intenso de preparo e força para acreditar em um sonho que os gêmeos Maurílio e Murilo Muniz, 20 anos, conquistaram aquele que julgam ser o primeiro passo para um carreira de fato na arte de dançar: a contratação para a Cia. Jovem da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil.
— É como se fosse o início de tudo, o primeiro passo profissional. O primeiro ano na companhia vamos usar como experiência e inspiração para outras oportunidades que podem surgir — reflete Maurílio, que era aluno ao lado do irmão desde 2018 na instituição mantida pela clássica academia russa de balé.
Conforme a dupla, natural de Santo Antônio da Patrulha, conseguir uma vaga na escola que fica em Joinville (SC) passou a ser objetivo de ambos tão logo perceberam a paixão pelas coreografias embaladas por música. Em 2016, fizeram um teste, mas não foram aprovados. Tampouco ficaram sentidos, pois tinham definido que tentariam novamente. Em 2017, conseguiram ser selecionados.
— A gente queria muito fazer aulas no Bolshoi. É algo muito histórico, técnico, que tem uma construção sólida. Nos parecia um bom caminho para iniciar algo mais concreto na dança — recorda Murilo.
Se manter o padrão de exigência da tradicional academia não foi fácil, os pulos para chegar até ela também demandaram entrega. Desde que descobriram o gosto pela dança, por volta de 2011, quando estavam na quinta série do Ensino Fundamental, Maurílio e Murilo foram se aperfeiçoando gradativa e constantemente. Aulas de balé, hip hop e participação em Centros de Tradição Gaúcha (CTGs) ajudaram na tarefa. Em 2015, no entanto, foi quando acreditam ter se comprometido de vez com a ideia.
— Dançávamos mais por hobby. Mas aí passamos a ganhar competições, conhecer outros artistas. Além disso, uma professora percebeu que estávamos evoluindo e nos ajudou com uma bolsa de seis meses em uma academia de Porto Alegre, com professores brasileiros, argentinos e russos — conta Maurílio.
A rotina ficou mais puxada, com aulas praticamente todos os dias, fosse na Capital ou em Santo Antônio da Patrulha — distantes aproximadamente 95 quilômetros. Fora a correria, também tiveram de superar outros obstáculos.
— O pessoal fazia muito bullying conosco no colégio. Uma vez foi preciso chamar até o Conselho Tutelar — desabafa Murilo.
Outra dificuldade foi a mudança de cidade em 2018, para integrar a classe da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. Mas o apoio dos pais e a parceria entre eles facilitou a adaptação.
— Somos muito unidos, temos uma boa relação. A gente se ajuda bastante, no dia a dia e na dança. Sempre tentamos nos auxiliar ao máximo, evoluir juntos. Não é competição — garante Murilo.
Questionados se em algum momento tiveram dúvidas sobre buscar uma carreira na arte, os irmãos afirmam que não. Justamente por terem construído uma trajetória passo a passo.
— Sempre tivemos certeza. Foi algo que aconteceu gradual e naturalmente, tudo foi se encaixando. Infelizmente, há preconceito com quem trabalha nesse meio, a arte não é valorizada em nosso país. Mas sabemos que é possível viver disso. No próprio Bolshoi conhecemos gente que mora no Exterior, que tem casa — pondera Maurílio.
De acordo com a dupla, a passagem remunerada pela Cia. Jovem do Bolshoi no Brasil costuma durar, em média, de um a três anos. Enquanto estiverem na companhia, pretendem desenvolver ao máximo seus respectivos potenciais. Maurílio e Murilo têm ciência de que é a dança dos dias que vai apontar os palcos do futuro.
O Bolshoi
A Cia. Jovem da Escola Bolshoi foi criada em 2008 para oportunizar o primeiro emprego aos talentos formados pela instituição. Seus artistas atuam como agentes formadores de plateia e incentivadores de novos talentos. Os novos integrantes têm o desafio de iniciar uma vida profissional, transformando o ritmo de escola em experiência de trabalho, além de explorar novos repertórios, fazer aulas mais avançadas, trabalhar com coreógrafos distintos e levar o nome da Escola Bolshoi em suas apresentações pelo Brasil e Exterior. Para 2022, são 16 bailarinos ensaiados pela professora Maria Antonieta Spadari.
A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil é a única filial do Teatro Bolshoi de Moscou. O objetivo da instituição é formar artistas cidadãos, promovendo e difundindo a arte e a educação. A entidade conta com 214 alunos de 21 Estados do Brasil. Conforme a própria escola, a maioria é dos setores menos favorecidos da sociedade. Eles recebem gratuitamente estudo e benefícios que garantem uma formação de excelência e proporcionam um futuro mais digno.