Em meio à correria do dia-a-dia, uma intervenção: o semáforo fechado indicava o momento de agir. Como um alerta para os riscos da covid-19, o Coletivo Teatro da Crueldade apresentou Terminal às 17h desta quinta-feira (29), em plena Avenida Diário de Notícias. A performance integra a programação do 27º Porto Alegre Em Cena, que vai até sábado (31).
A obra foi dividida em duas variantes. Para o espetáculo visual, os artistas — trajando equipamento de proteção individual (EPI) completo — empurravam uma maca para o meio da rua. Em cima da cama hospitalar, as vestes brancas de Fredericco Restori e Karine Paz por vezes se confundiam, quase se emaranhando enquanto coreografavam movimentos criados a partir de estátuas fúnebres.
O apelo mais humano da peça ficou por conta da parte interativa da intervenção, uma característica do teatro de rua. Marcelo Restori e Fábio Cunha, que também utilizavam EPIs, saíam em direção aos vidros dos carros, oferecendo-se para borrifar álcool nas mãos das pessoas.
Quanto ao público, grande parte dos motoristas pareceu ter entrado no jogo. Com exceção de algumas janelas fechadas e buzinas irritadas, a mensagem, avaliou Marcelo, foi passada e bem recebida
— A maioria sentiu isso que a gente queria provocar: o reconhecimento do ser humano, que estamos fragilizados na mesma história e que a gente precisa estar atento a isso — disse. — Claro que tem gente que se incomoda, hoje em dia tem gente que acha isso ofensivo. Teve algumas pessoas que viraram a cara, buzinaram, xingaram. Mas a maioria, não — acrescentou.
Para encerrar a peça, um último ato trazia a questão de como o ser humano trata a natureza, junto a simbolismos do imaginário popular. Quatro garrafas de água, duas com pétalas de rosas, duas com arruda, tiveram seu conteúdo despejado nos veículos que por ali passavam.
— Arruda para proteger os corpos e os carros que estavam lá. É uma proteção que minha mãe fazia quando a gente era criança. E as rosas, dentro dessas coisas da natureza, elas têm um simbolismo de purificação, de passagem, por isso se usa muito em velórios. Porque é um momento que a gente não sabe o que vai acontecer — explica Marcelo.
Isolados desde março, os artistas viram na obra uma maneira de reinventar o próprio trabalho. Em meio à pandemia e sob projeções de especialistas que sugerem que a crise sanitária ainda vai perdurar por mais algum tempo, surgiram diversas dúvidas sobre a possibilidade de voltar a fazer teatro — mesmo para Marcelo, que fundou e foi, por 26 anos, diretor do grupo de teatro contemporâneo Falos e Stercus. Foi a partir de todas essas incertezas que o processo de criação de Terminal começou.
— Primeiro a gente fez um trabalho de lembrar das nossas situações, dos nossos medos, dos nossos afetos e das pessoas que a gente poderia perder neste momento. O trabalho partiu dessa motivação. Porque a gente sabia que do outro lado as pessoas estão vivendo a mesma coisa também — afirma Marcelo.
O espetáculo é antiaglomeração, isto é, leva essa denominação porque, embora transmitido nas redes sociais, não tem o endereço previamente divulgado para o público. Terminal deve encerrar o ciclo de performances antiaglomeração previstas no 27º Porto Alegre Em Cena com uma reapresentação em outro local da Capital, na sexta-feira (30). A programação completa pode ser conferida e acompanhada por meio do site do evento.