Desde sua criação, em 2002, o coletivo alemão Rimini Protokoll se constituiu como uma das principais forças conduzindo o teatro para além de suas fronteiras conhecidas. Home Visit: Brasil em Casa, o trabalho que será apresentado a partir desta terça-feira (18), dentro da programação do 25º Porto Alegre Em Cena, dificilmente se enquadraria na ideia de peça teatral que a maioria do público tem. É uma espécie de jogo de perguntas e respostas para apenas 15 pessoas por sessão, ocorrido em residências de anfitriões previamente selecionados em diferentes bairros de Porto Alegre. Não há público – ou melhor, o público são os próprios participantes.
As sessões serão desta terça (18) a sábado (22), às 15h e às 21h, em endereços divulgados apenas aos participantes. Quem preferir, pode ir e voltar com uma van disponibilizada sem custo pelo festival, com saída meia hora antes de cada sessão do ponto de encontro no Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307). Depois das cerca de duas horas de Home Visit, o veículo retornará ao Renascença. Os ingressos estão esgotados.
Concebido e escrito pelos diretores Helgard Haug, Stefan Kaegi e Daniel Wetzel, Home Visit foi adaptado à realidade brasileira por Pedro Brício. Entram no jogo questões como política, identidade e futuro – em última instância, os trabalhos do coletivo são sobre como viver junto, afirma Kaegi em entrevista concedida por e-mail. Nesta quarta (19), às 18h, ele participa de uma videoconferência no Instituto Goethe (Rua 24 de Outubro, 112), com entrada franca.
"Na sala de estar, as coisas ficam mais pessoais"
Entrevista com Stefan Kaegi, um dos diretores do Rimini Protokoll
Home Visit começou como uma experiência focada nas questões da Europa e ganhou uma versão contextualizada no Brasil, que será apresentada em Porto Alegre. Como ocorreu essa adaptação?
É um projeto sobre o que ocorre quando grupos de pessoas que não se conhecem começam a negociar em torno de uma mesa. A União Europeia é um exemplo interessante para essa mesa, pois 28 nações precisam firmar compromissos, mas a nação brasileira também é. É maior do que a Europa e habitada por diferentes pessoas. Juntos com o Tempo Festival (em 2017, no Rio), decidimos substituir a história da Europa na camada narrativa pela história da Constituição do Brasil.
Na era dos conteúdos que viralizam pelo mundo para um amplo público, vocês propõem uma experiência para uma audiência limitada de apenas 15 pessoas por sessão. Por que escolheram esse formato?
As interações neste trabalho também são a respeito das relações pessoais dos participantes em torno da mesa com seu país e com o que está além da fronteira. Decidimos trazer para um nível muito privado aquelas negociações que normalmente são debatidas nos parlamentos e reportadas online. Na sala de estar de um anfitrião local, as coisas ficam mais pessoais. Sob alguns aspectos, a visita ao lar é também um jogo de tabuleiro ou uma coreografia social.
O conceito de teatro é objeto de intenso debate nos últimos tempos, e o Rimini Protokoll tem contribuído para expandir essas fronteiras. Na sua visão, o que é o teatro e por que é importante para a sociedade?
Sim, frequentemente trabalhamos com pessoas que escolhemos mais pelo que são do que por sua capacidade de atuar bem. Gostamos de desenvolver nossas performances com especialistas, por exemplo, em mudança climática ou corrupção, ou trabalhar com porteiros ou operadores de call center porque suas biografias se tornam parte de seus textos. Acreditamos que o teatro é um meio de comunicação que reflete continuamente a forma pela qual se comunica. É por isso que, em nossos trabalhos recentes, o público frequentemente se torna parte importante da performance. Eles representam um papel também na comunicação real.
Mesmo que tudo pareça já ter sido feito, como alguns defendem, seria possível pensar nos próximos paradigmas a serem rompidos?
Agora estou construindo um robô humanoide para ser um performer sozinho no palco em um projeto sobre nosso futuro digital. É uma confrontação para o teatro, que é uma “arte viva”, ter uma máquina sentada lá, substituindo um ator, mas é também uma questão sobre a humanidade como tal: o quanto a medicina vai seguir fazendo um upgrade em nossos corpos e até que ponto permitiremos que os algoritmos assumam nosso controle se isso nos ajudar.
Como o Rimini Protokoll se mantém atualizado com relação às constantes mudanças na sociedade e nas artes cênicas?
No momento presente, frequentemente vamos além do teatro, trabalhando em espaços públicos e em museus também. Mas sempre procuramos focar na identificação e na cópia de sistemas de convivência. Como estar junto? No final, essa é a questão central do teatro, que procura por uma nova resposta a cada dia.