Oficializado na presidência da Fundação Theatro São Pedro nesta quarta-feira (14/3), o professor de Comunicação da PUCRS e crítico teatral Antonio Hohlfeldt, 69 anos, tem em mãos a responsabilidade de dar continuidade ao legado de Eva Sopher, a guardiã do teatro que se tornou uma das mais respeitadas figuras da cultura no Estado. Dona Eva morreu em fevereiro, aos 94 anos.
Nesta entrevista, concedida a a GaúchaZH nas dependências do Multipalco Theatro São Pedro, logo após a reunião no Palácio Piratini que confirmou sua nomeação, Hohlfeldt afirma que tem a bênção das duas filhas de Eva Sopher para seguir seu trabalho. Segundo ele, a missão será buscar diferentes fontes de financiamento para concluir a construção do complexo cultural iniciado em 2003, anexo ao Theatro São Pedro. Diversas etapas já foram entregues, mas a obra ainda necessita de pelo menos R$ 12 milhões.
Para Hohlfeldt, o São Pedro e o Multipalco devem buscar sustentabilidade financeira, balanceando atrações de grande apelo de público e espetáculos mais experimentais, sempre mantendo a qualidade. Segundo ele, o complexo deve ser ocupado com atividades culturais e educativas para não virar um "elefante branco".
No próximo dia 27, o complexo anexo ao São Pedro ganhará o nome Multipalco Eva Sopher, em cerimônia para doadores e jornalistas. No mesmo dia, deve ocorrer a posse de Hohlfeldt como presidente da Fundação Theatro São Pedro. Será sua segunda vez à frente do teatro. Em 1972, durante menos de um ano, ele foi diretor do espaço por indicação de Dona Eva, que depois assumiu o cargo para liderar a reforma do prédio histórico.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O que mais lhe inspira no legado de Eva Sopher?
Temos que continuar homenageando Eva sempre porque devemos isso aqui a ela. Sua imagem é o que deve me guiar obrigatoriamente. Depois que vazou minha conversa com os secretários (no site do jornalista Felipe Vieira), a Ruth (Sopher Péreyron, filha de Eva Sopher) me ligou feliz da vida. E logo depois a Renata (Rubim, também filha de Eva) me ligou também. As duas estavam felicíssimas porque vou assumir. Quero tomá-las como minhas fiscais. Se eu me desviar, quero que elas me puxem o cabelo.
Na sua visão, qual é a vocação do Theatro São Pedro?
Temos que fazer o teatro ser sustentável. Se um espetáculo não é uma maravilha esteticamente falando, mas traz público, temos que trazê-lo. Estou falando desses espetáculos que vêm de Rio e São Paulo, mas que sejam de respeito. Posso não morrer de amores por eles, mas não desqualificam o teatro. Nos demais espetáculos, acho que sempre tem que ter essa preocupação estética também. É o básico. Esse teatro não é para colocar qualquer coisa, como foi no tempo dos estertores do São Pedro, em 1972 (antes de fechar para reforma). Esse equilíbrio é complicado. É importante ter, sim, espaço para os grupos locais. Agora, veja: quando tudo no Multipalco estiver funcionando, não precisamos fazer um espetáculo local que tem menos público – e, portanto, menos renda – necessariamente no palco principal. Podemos fazer no Multipalco.
O senhor já declarou que dará atenção aos detalhes. Como?
Foi isso que segurou o teatro ao longo desses anos: o cuidado que Eva tinha. Se eu não puder, o João Antônio (Pires Porto, diretor operacional) poderá estar aqui quando os elencos chegarem para as estreias. Para ver se os camarins estão limpos, se tem papel higiênico no banheiro do camarim, se tem uma aguinha para os artistas. São gestos mínimos de respeito. Por que os artistas adoram vir para o Theatro São Pedro? Porque são tratados com respeito. Quero ter essa proximidade, essa relação mais institucional. Quero estar aqui nas noites de estreia.
A construção do Multipalco começou em 2003. Por que ainda não terminou?
Em primeiro lugar, porque foi mais difícil tecnicamente do que previsto inicialmente. Houve a questão da explosão de pedras e uma série de coisas na parte externa. Isso atrasou bastante. Em segundo lugar, porque sempre dependemos de dinheiro. Quando tem crise, a cultura é sempre a primeira a bater pino. E terceiro porque realmente não se pode contar com dinheiro do governo, então tem que buscar fora. Sempre foi fundamental contar com a Lei Rouanet. Por meio dela, muitas empresas colaboraram. E vários amigos meus não são sócios (da Associação Amigos do Theatro São Pedro), mas todo mundo topa ser sócio. Vamos ter que incrementar esse negócio. Não sei quantos sócios tem (o diretor administrativo-financeiro, Luiz Alberto Homrich Gusmão, intervém para informar que são cerca de mil sócios, pagando mensalidade de R$ 65), mas, se eu puder dobrar isso, é um dinheirinho a mais para ajudar.
Também considera buscar recursos federais e parceria com a iniciativa privada?
Sem dúvida. Temos que fazer projeto e apresentar. Tem os editais da Caixa e do Banco do Brasil. No tempo em que a Eva começou, ela ia lá (falar com patrocinadores) e saía com a promessa do dinheiro. Hoje, a coisa está um pouco mais formalizada, mais ritualizada. Então, o teatro tem que montar projetos. Aí entra o papel estratégico da Fundação e da Associação de Amigos.
Ou seja, uma articulação política.
Exatamente. Considero que meu cargo, nesse sentido, é fundamentalmente uma articulação política. Por isso, não vou bater ponto aqui no dia a dia. Quero fazer essa articulação. Quanto ao resto, o pessoal aqui é competente para fazer.
Quando o Mutipalco estiver em pleno funcionamento, será um dos maiores equipamentos públicos do Estado. O senhor tem uma avaliação sobre como será viabilizada sua sustentabilidade, já que o governo tem vivido tempos dramáticos do ponto de vista financeiro?
A Fundação não conta com dinheiro de governo. Ela tem de ser autossustentável. Sei que já havia alguns planejamentos e previsões para ver como se vai equilibrar. É fundamental que isso aqui não vire um elefante branco como os grandes estádios de futebol. Ou seja, tem que ter atividade. Por isso, é “multipalco”: porque tem vários espaços diferentes. E não é só para espetáculos, é para atividades em geral. São atividades artísticas, mas também educacionais, de formação. Um dos aspectos mais importantes no Multipalco não é nem a parte de espetáculos, é sobretudo essa parte de formação. Posso dar meu palpite, não como presidente da Fundação, mas como um cara que conhece um pouco a coisa: diria que talvez em 10 anos, depois do início do Multipalco, poderemos falar em antes e depois do Multipalco em questão de formação de mão de obra na área da cultura. Pense em cursos de música, artes plásticas, teatro.
Com o prestígio de Eva Sopher, o São Pedro se tornou uma instituição “intocável” pelo poder público. Nenhum governante teve a ousadia de precarizar o teatro. O senhor acredita que esse respeito vai continuar?
Espero que sim, porque infelizmente no poder público – e isso vale para o Estado e para o município – essas coisas acabam sendo partidarizadas e raramente se convida o mais competente. Eu não estava pensando que seria eu (o escolhido para o cargo), mas queria principalmente evitar (a precarização). Queria que o governador chamasse para si a decisão e não deixasse a coisa desandar. Bom, sobrou para mim, agora vou ter que tocar o barco.
Eva Sopher se tornou uma presidente da Fundação Theatro São Pedro suprapartidária. Sua permanência no cargo continuou mesmo com as mudanças no governo. Pretende que ocorra o mesmo com o senhor?
Acho que houve uma única tentativa de tirá-la, quando o (ex-governador Alceu) Collares assumiu. Fizemos um abraço no São Pedro, houve uma comoção, e o Collares imediatamente voltou atrás. Depois, nunca mais tentaram. Quero dizer que não tenho essa pretensão. Meu passaporte tem uma data bem clara, que é o final da administração do Sartori, dia 31 de dezembro.