Há 40 anos, a história do grupo de animais que decide se rebelar contra o destino virou fenômeno entre crianças e adultos no Brasil. Os Saltimbancos, musical italiano adaptado por Chico Buarque e lançado em plena ditadura militar, embalou pelo menos duas gerações. E se o espetáculo nasceu da parceria entre o compositor Sergio Bardotti e o músico Luis Enriquez Bacalov, a versão em livro tem como marca a sintonia entre as letras recriadas por Chico e o traço singular de Ziraldo. A obra foi relançada este ano pela editora Autêntica para celebrar as quatro décadas de sucesso do musical, que segue vivo no teatro, no cinema e na literatura – e na memória de quem assistiu à clássica montagem de 1977 no Canecão, no Rio de Janeiro.
– Estava lá e foi excepcional, um sucesso imediato. Considerado um dos melhores espetáculos para adultos à época, com ótimas críticas nos jornais. Fui ver mesmo sem a companhia de crianças, pois estava encantada – relembra Maria Amélia Mello, que editou o livro infantil lançado neste ano em clima nostálgico.
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A alegoria política, inspirada originalmente no conto Os Músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, retrata o jogo de poder e a opressão nas relações entre os diferentes grupos sociais por meio das figuras inocentes de quatro animais – o jumento representa os trabalhadores do campo; a galinha, a classe operária, o cachorro, os militares; e a gata, os artistas. Na trama, o barão personifica a elite da sociedade. A adaptação brasileira nasceu da amizade de Bardotti e Chico, que se intensificou durante o autoexílio do músico na Itália no fim dos anos 1960. O compositor italiano ajudou a difundir o trabalho do colega brasileiro na Europa, assim como a obra de Vinicius de Moraes e Toquinho.
Em 1977, foi lançada a versão em português do disco I Musicanti, e o espetáculo dirigido por Antonio Pedro fez suas primeiras sessões na tradicional casa de espetáculos carioca. No palco, o elenco era composto por Marieta Severo (Gata), Miúcha (Galinha), Pedro Paulo Rangel (Cachorro) e Grande Otelo (Jumento), além de um coro infantil formado por Bebel Gilberto, Isabel Diegues, Silvia Buarque e Alexandra Marzo, entre outras crianças.
O sucesso de crítica e público foi tal que o musical se tornou uma das referências infantis do teatro brasileiro – ainda hoje, uma série de espetáculos inéditos inspirados na obra podem ser vistos em cartaz em vários cantos do país. Filmes com a leitura cômica de Renato Aragão e Os Trapalhões também levaram multidões aos cinemas, e 10 edições do livro chegaram às livrarias em 40 anos.
– O texto é inteligente, por isso permanece. É alegre, intuitivo e combativo, mas tem musicalidade. Permite discussão entre as crianças e adultos por ser presente e atual – afirma Maria Amélia.
Dilmar Messias dirigiu primeira versão gaúcha
Após a estreia no Rio, em julho de 1977, Os Saltimbancos ganhou novas montagens em outras cidades. Em 13 de outubro do mesmo ano, uma versão gaúcha dirigida por Dilmar Messias chegou ao palco do Teatro Leopoldina, em Porto Alegre. No elenco, nomes como Zé de Abreu, Guto Pereira, Nara Kaisermann e Pilly Calvin.
– Foi do Alziro Azevedo, grande cenógrafo, figurinista e amigo, a ideia de montarmos o espetáculo. O Zé de Abreu gostou do projeto e logo fez contato com o autor, Sergio Bardotti, na Itália, e conseguimos a trilha direto do estúdio onde foi gravada a base. Também fui ao Rio para conseguir os direitos. Só não estreamos antes por um acordo com a montagem carioca – conta Dilmar Messias, que faz questão de relembrar a parceria com Azevedo, nos cenários e no figurino, e Celso Loureiro Chaves, na direção musical.
Dois anos depois, o diretor voltou a montar o musical no Teatro Presidente com novo elenco e concepção – a história se passava num circo. Miguel Ramos, Clênia Teixeira e Vera Bertoni integraram o espetáculo. No Rio Grande do Sul, a Cia Teatro Novo também levou aos palcos duas versões da obra – a mais recente estreou em 2013, com direção de Ronald Radde.
Em 2014, a montagem inspirada no filme Os Saltimbancos Trapalhões (1981) ganhou repercussão nacional. Marcou a estreia de um dos maiores humoristas brasileiros no teatro, Renato Aragão. O elenco reuniu também nomes como Dedé Santana, Roberto Guilherme e Tadeu Mello – a direção ficou a cargo de Charles Möeller e Claudio Botelho. Atualmente, está em cartaz no Rio a montagem mais duradoura de Os Saltimbancos. Dirigido por Maria Lucia Priolli, o espetáculo completa 25 anos nos palcos em 2017.
Sucesso no cinema
O musical fez tanto sucesso no teatro que também ganhou versões para o cinema. Em 1981, Os Trapalhões se basearam no espetáculo para lançar um dos filmes de maior êxito do grupo: Os Saltimbancos Trapalhões. O longa está na lista das produções mais vistas do cinema brasileiro, ultrapassando a marca de cinco milhões de espectadores. Sob a direção de J. B. Tanko, Renato Aragão, Mussum, Dedé Santana e Zacarias usavam o humor para falar da luta de classes. O disco com a trilha sonora, interpretada por Chico, Elba Ramalho, Lucinha Lins e Bebel Gilberto também teve grande repercussão. A incursão pelos cinemas deu tão certo que, em 2017, estreou Os Saltimbancos Trapalhões: Rumo a Hollywood. Ao lado de nomes como Alinne Moraes, Marcos Veras, Lívian Aragão e Rafael Vitti, Didi e Dedé apresentam uma nova versão da história, quando dois funcionários humildes se tornam a grande atração do circo local. Na onda do novo longa, a Universal Music relançou o disco com a trilha de 36 anos atrás.
OS SALTIMBANCOS
Sergio Bardotti, Luis Enriquez e Chico Buarque, com ilustrações de Ziraldo
Editora Autêntica
R$ 37,90
36 páginas
OUÇA O DISCO DE 1977: