A cavalo. De moto. De carro. De motor-home. De ônibus. De avião. A pé. Não importa o meio, o destino é o Rio de Janeiro no road movie Além de Nós. Um tio e um sobrinho vivem a estrada e, inevitavelmente, se transformam pelo caminho. Rodado em cinco Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia), o filme chega aos cinemas nesta quinta-feira (23).
Dirigido por Rogério Rodrigues, que estreia no comando de um longa, Além de Nós tem como ponto de partida a Campanha Gaúcha. A trama tem início no fictício lugarejo de Dos Passos, que foi ambientado na área rural de Bagé. No filme, o peão Leo (Miguel Coelho) perde o emprego e presencia a morte de seu pai, Leopoldino (Clemente Viscaíno), em um curto período de tempo. Desorientado e perdido, ele lê uma carta que lhe revela o último desejo do pai, um getulista convicto. No caso, levar uma foto de Leopoldino ao lado do avô de Leo e do ex-presidente Getúlio Vargas até o Palácio do Catete, no Rio.
Para a empreitada, ele ganha a companhia de seu tio Artur (Thiago Lacerda), com quem nunca teve uma relação próxima. Os dois atravessam Estados, deparam com personalidades distintas e lidam com percalços da estrada. Mas o percurso marca mesmo a busca interna e o desenraizamento de cada um, além de uma busca pela identidade.
Tio e sobrinho antagonizam em suas personalidades. Por um lado, Leo é apresentado como um sujeito introvertido, como se estivesse preso em si mesmo e a Dos Passos. Aliás, ele nunca saiu de lá. Após perder o pai e o emprego, o peão encontra um propósito na vida com a viagem.
Já Artur é um boêmio, que tende a ver sempre o copo meio cheio. Tanto que em dado momento ele atesta: "A vida não é uma linha reta, Leo". No entanto, ele carrega em si uma inquietação. Se sente preso em Dos Pasos, sem rumo. Vê na viagem uma oportunidade de sair daquele lugar que lhe é asfixiante.
Lacerda vê Artur como um personagem muito perdido dentro de si, sem conseguir encontrar um caminho que o satisfaça. Nesse conflito interno, ele vive uma fase de excessos, de uma introspecção anestesiada pela boemia, pelo álcool. Para o ator, o tio é um contraponto ao sobrinho.
— Leo é um jovem que está no início da autodescoberta e da busca por novos ares — explica Lacerda. — Artur já tem um pouco mais de bagagem e acaba servindo de uma espécie de tutor do menino, que inicia a sua jornada a contragosto na companhia do tio, mas à medida que o filme caminha, eles vão se conectando.
Conforme avançam na quilometragem, tio e sobrinho vão estabelecendo uma relação de proximidade e afeto, como frisa o ator. Para Rogério, Além de Nós é um filme que questiona quem é o novo homem, tratando também da masculinidade tóxica de uma forma muito sutil.
— Leo sai de um ambiente áspero, machista e conservador para conhecer outras pessoas. Ele lida com muitas mulheres, e esse encontro com o diferente faz parte da transformação dele — descreve o diretor.
Tem gaúcho na estrada
Rogério recorda que o roteiro — que é assinado por ele, seu irmão, Romir Rodrigues, e Ulisses da Motta — surgiu em 2010. O filme foi rodado em 2019, mas, de acordo com o cineasta, acabou tendo seu lançamento postergado por conta de atrasos na Ancine e também pela não renovação da Lei do Audiovisual ao final de 2019. O projeto foi readaptado e finalizado pela Lei de Incentivo à Cultura do RS.
A ideia original era realizar um curta, mas evoluiu para um longa. Tendo como referência os livros da Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro Martins (1908-1995), o objetivo do diretor era tirar o gaúcho de seu ambiente de origem. Ao mesmo tempo, a narrativa permeia as transformações no bioma do pampa, tanto no social quanto no ambiental, em um mundo globalizado.
— Embora tenha uma raiz regional fidedigna, é um filme universal, que conta uma história humana de reaproximação de duas pessoas que se afastaram — pontua Rogério. — É um road movie de duas pessoas simples, um peão e um andarilho errante, que não são super-heróis. Eles saem para viver a estrada. Para a mim, a estrada é transformadora.
Lacerda corrobora. Para o ator, o road movie propicia a experiência de fazer cinema à medida que o ônibus caminha.
— Nós caminhamos e a história acontece junto. Para um ator, isso é inusitado, desafiador, divertido e curioso. Pode ser duro também, sugere um monte de concessões e adaptações. Mas é assim que tem que ser mesmo. É muito bonito ver o Brasil se transformando em cena — avalia Lacerda.