Pelo segundo ano consecutivo, não houve aplausos calorosos no Palácio dos Festivais durante a premiação do Festival de Cinema de Gramado, que entregou seus kikitos na noite de sábado (21). A 49ª edição do evento foi realizada em meio à pandemia, com transmissões pelo streaming e pela TV, assim como foi no ano passado.
Artistas e realizadores só puderam participar por videochamada. Desta vez, serviu como uma forma de resistência e esquenta para a celebração de 50 anos de festival em 2022 — aí sim, com cineastas, estrelas, tapete vermelho e público.
Neste ano, o grande vencedor do festival foi a ficção científica Carro Rei, da diretora pernambucana Renata Pinheiro, que recebeu o Kikito de Melhor Filme na mostra de longas brasileiros. A produção também foi contemplada com as estatuetas de Melhor Trilha Musical (DJ Dolores), Melhor Direção de Arte (Karen Araujo) e Melhor Desenho de Som (Guile Martins), além do Prêmio Especial do Júri para Matheus Nachtergaele.
Em discurso realizado por videochamada, Renata agradeceu a sua equipe e refletiu sobre a situação do setor audiovisual no Brasil.
— Estamos passando por um momento tão difícil de destruição total do nosso setor, que emprega tanta gente e dá chance para tantos talentos brasileiros entenderem o que é se comunicar, o que é criar uma expressão artística, o que é ser brasileiro. Estão querendo destruir a gente e isso não pode. SOS Cinemateca urgente! — disse a cineasta, referindo-se no final às turbulências e ao sucateamento que a Cinemateca Brasileira tem passado. No final de julho, um incêndio atingiu um galpão da instituição, na zona oeste de São Paulo (SP).
Na trama de Carro Rei, um jovem chamado Uno (Luciano Pedro Jr.) tem o dom de se comunicar com carros. Quando uma nova lei proíbe a circulação de carros velhos em Caruaru (PE), colocando em risco a empresa de táxi do seu pai, ele recorre a seu melhor amigo de infância, um veículo sábio e ardiloso. Junto com seu tio, Zé Macaco (vivido por Matheus), ele arma um plano para burlar a lei em que restauram automóveis velhos.
A cerimônia de 2021 foi comandada pelas apresentadoras Marla Martins e Renata Boldrini, com transmissão ao vivo do Palácio dos Festivais pelo site e redes sociais do evento, pela TVE-RS (TV e site) e pelo Canal Brasil, na TV, e nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay+. Entre um prêmio e outro, a banda Jazz Cinnamon promovia uma canja musical.
Concorreram aos Kikitos 14 curtas brasileiros, quatro longas estrangeiros, três longas gaúchos e sete longas brasileiros. Além dos troféus, os vencedores recebem premiação em dinheiro.
Entre os curtas, a estatueta de Melhor Filme ficou com A Fome de Lázaro, de Diego Benevides. A Teoria dos Vidros Quebrados (Uruguai), de Diego Fernández Pujol, venceu como Melhor Filme Estrangeiro. Teve quem foi premiado em mostras diferentes: Bruno Polidoro recebeu o Kikito de Melhor Fotografia por A Primeira Morte de Joana, na mostra de longas brasileiros, e na mesma categoria por A Colmeia, entre os longas gaúchos.
Do Kikito para o filme, do filme para o Kikito
A história mais bonita da noite foi a de Nando Cunha, que recebeu o Kikito de Melhor Ator por seu trabalho em O Novelo. O papel e a forma do filme se configurou a partir de seu discurso no Festival de Gramado. No evento de 2017, ele foi eleito Melhor Ator de curta-metragem brasileiro por Telentrega, despertando a atenção da diretora Cláudia Pinheiro. Ao receber o prêmio, Nando saiu em defesa dos atores e atrizes negros, enfatizando que podem interpretar qualquer personagem. A cineasta, então, decidiu formar um elenco de negros nesse projeto.
Em agradecimento realizado por videochamada em uma loja de conveniência — via-se uma estante de salgadinhos e um caixa eletrônico ao fundo —, Nando destacou a importância que o prêmio tem para ele.
— Hoje a gente fala muito de posicionamento, das pessoas ficarem em cima do muro. Foi por eu me posicionar que esse filme nasceu. Eu era um moleque que morava na Penha e costumava ver o Festival de Gramado como o "Oscar brasileiro". E esse moleque ganhou hoje um "Oscar" de melhor ator com longa brasileiro, tendo como concorrente Paulo Miklos e Matheus Nachtergaele, que eu sou muito fã —discorreu Nando, emocionado.
Já Gloria Pires venceu o Kikito de Melhor Atriz por A Supeita. Ela não participou por videochamada porque, segundo as apresentadoras do evento, a filha, Cleo, estava se casando. Em vídeo publicado em seu Instagram, a atriz dedicou o prêmio a todos que estiveram presentes no festival.
Outro que não conseguiu realizar seu discurso foi Aly Muritiba, que venceu nas categorias de direção e roteiro por Jesus Kid. Ao tentar agradecer por seu Kikito de Melhor Direção, seu microfone ficou mudo.
No final da cerimônia, foi exibido um vídeo homenageando todos os realizadores do audiovisual brasileiro, com locução de Lázaro Ramos. A fala do ator também mirou a edição de 50 anos do festival.
— É preciso seguir em frente, esse tempo de trevas vai passar — disse Lázaro. — O cineasta brasileiro Humberto Mauro disse certa vez uma frase que ficou célebre: cinema é uma cachoeira e a força dessa corrente não tem quem consiga parar. Muito obrigado por ter tomado mais um banho de cinema com a gente nesta 49ª edição, nos encontramos em 2022 para festejarmos juntos o cinquentenário do Festival de Cinema de Gramado.
Mais prêmio$
Neste ano, a premiação da mostra do Estado passou a se chamar Prêmio Sedac/Iecine de Longas-Metragens Gaúchos. Trata-se de uma parceria da Gramadotur, autarquia municipal responsável pelos eventos da cidade, com a Secretaria de Estado da Cultura, por meio do Instituto Estadual de Cinema (Iecine). Cada vencedor das categorias de longas gaúchos receberá R$ 5 mil.
Para o vencedor de Melhor Filme — que foi Cavalo de Santo, de Mirian Fichtner e Carlos Caramez, o Estado deve repassar R$ 10 mil. Ainda, o mesmo longa também venceu na categoria de júri popular e será premiado ainda com um contrato de distribuição e serviço de assessoria de imprensa no valor total de R$ 30 mil oferecidos por Fato Relevante — Agência de Comunicação, Forte Filmes e Kuarup Produções. Na celebração, sobraram beijos entre o casal de diretores.
— Só a gente sabe o quanto trilhamos para chegar até aqui. Para mim, está sendo uma emoção muito grande. É nosso primeiro trabalho. Quero dedicar ao povo de Santo, de religião. Sem eles não estaríamos aqui — vibrou Mirian.
O Canal Brasil concedeu o Prêmio Canal Brasil de Curtas ao filme A Beleza de Rose, de Natal Portela, que destina o valor de R$ 15 mil e ainda a exibição do filme na programação. Com exceção dos longas estrangeiros, os vencedores da categoria de melhor filme de cada mostra foram reconhecidos com o Prêmio Edina Fujii, que oferecerá locação de equipamentos de iluminação, acessórios e equipamentos da empresa Naymovie.
A cerimônia contou com espaço para entrega de duas premiações divulgadas ao longo da semana. O Prêmio Leonardo Machado, que é dedicado a artistas e realizadores pelo mérito de suas trajetórias no audiovisual do Rio Grande do Sul, destinou a quantia de R$ 15 mil ao ator Sirmar Antunes (O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda, Lua de Outubro, entre outras produções).
A seguir, foi a vez do Prêmio Novas Façanhas — que contempla realizadores, técnicos ou coletivos por sua contribuição à inovação e ao desenvolvimento técnico e de linguagem do audiovisual no Estado. Três entidades foram premiadas na categoria: o Festival de Cinema Estudantil de Guaíba, o Coletivo Mibyá-Guarani de Cinema e a Associação Profissional dos Técnicos Cinematográficos (APTC RS). Cada um levou R$ 10 mil.
A seguir, confira a lista de premiados da 49ª edição do Festival de Cinema de Gramado.
Longas-Metragens Brasileiro
- Melhor Filme: Carro Rei, de Renata Pinheiro
- Melhor Direção: Aly Muritiba, por Jesus Kid
- Melhor Ator: Nando Cunha, por O Novelo
- Melhor Atriz: Glória Pires, por A Suspeita
- Melhor Roteiro: Aly Muritiba, por Jesus Kid
- Melhor Fotografia: Bruno Polidoro, A Primeira Morte de Joana
- Melhor Montagem: Tula Anagnostopoulos, A Primeira Morte de Joana
- Melhor Trilha Musical: DJ Dolores, por Carro Rei
- Melhor Direção de Arte: Karen Araujo, por Carro Rei
- Melhor Atriz Coadjuvante: Bianca Byington, por Homem Onça
- Melhor Ator Coadjuvante: Leandro Daniel Colombo, por Jesus Kid
- Melhor Desenho de Som: Guile Martins, por Carro Rei
- Prêmio Especial do Júri: Matheus Nachtergaele, por Carro Rei
- Menção honrosa: Fernando Lufer, Michel Gomes, Victor Alves, Kaike Pereira, Pedro Guilherme e Caio Patricio, por O Novelo
- Menção honrosa: Isabél Zuaa, O Novelo
- Júri da Crítica: A Primeira Morte de Joana, de Cristiane Oliveira
- Júri Popular: O Novelo, de Cláudia Pinheiro
Longas-Metragens Estrangeiros
- Melhor Filme: A Teoria dos Vidros Quebrados, de Diego Fernández Pujol
- Prêmio Especial do Júri: Planta Permanente, de Ezequiel Radusky
- Júri Popular: A Teoria dos Vidros Quebrados, de Diego Fernández Pujol
- Júri da Crítica: Planta Permanente, Ezequiel Radusky
Longas-Metragens Gaúchos
- Melhor Filme: Cavalo de Santo, de Mirian Fichtner e Carlos Caramez
- Melhor Direção: Gilson Vargas, por A Colmeia
- Melhor Ator: João Pedro Prates, por A Colmeia
- Melhor Atriz: Luciana Renatha, Alexia Kobayashi e Veronica Challfom, por Extermínio
- Melhor Roteiro: Carlos Eduardo Caramez, por Cavalo de Santo
- Melhor Fotografia: Bruno Polidoro, por A Colmeia
- Melhor Direção de Arte: Gilka Vargas e Iara Noemi, por A Colmeia
- Melhor Montagem: Joana Bernardes e Mirela Kruel, por Extermínio
- Melhor Desenho de Som: Gabriela Bervian, por A Colmeia
- Melhor Trilha Musical: Cânticos Sagrados dos Orixás preservados pelos Terreiros gaúchos e Alabê Oni, de Cavalo de Santo
- Júri Popular: Cavalo de Santo, de Mirian Fichtner e Carlos Caramez
Curtas-Metragens Brasileiros
- Melhor Filme: A Fome de Lázaro, de Diego Benevides
- Melhor Ator: Lucas Galvino, pela atuação em Fotos Privadas
- Melhor Atriz: Tieta Macau, por Quanto Pesa
- Melhor Direção: Fabio Rodrigo, por Entre Nós e o Mundo
- Melhor Roteiro: Marcelo Grabowsky, Aline Portugal e Manoela Sawitzki, por Fotos Privadas
- Melhor Fotografia: Rodolpho Barros, por Animais na Pista
- Melhor Montagem: Caroline Neves, por Entre Nós e O Mundo
- Melhor Direção de Arte: Torquato Joel, por A Fome de Lázaro
- Melhor Trilha Musical: Eli-Eri Moura, por Animais na Pista
- Melhor Desenho de Som: Breno Nina, por Quanto Pesa
- Júri Popular: Desvirtude, de Gautier Lee
- Júri da Crítica: Entre Nós e o Mundo, de Fabio Rodrigo
- Prêmio Especial do Júri: Fabio Rodrigo, por Entre Nós e o Mundo
- Menção Honrosa: A Beleza de Rose, de Natal Portela
- Prêmio Canal Brasil de Curtas: A Beleza de Rose, de Natal Portela