Com um novo longa-metragem, O Oficial e o Espião, estreando no Brasil nesta quinta-feira (12), o cineasta franco-polonês Roman Polanski, 86 anos, é um nome ligado à controvérsia. É aclamado por sua trajetória artística e repudiado por parte da opinião pública em razão de episódios relacionados a abuso sexual, crime pelo qual foi condenado nos anos 1970. No final de fevereiro, Polanski ganhou o prêmio de melhor diretor no César , principal premiação do cinema francês, em meio a protestos de grupos feministas que rejeitam o reconhecimento ao artista acusado de estupro.
A atriz Adele Haenel, que havia dito que premiar Polanski equivaleria a "cuspir no rosto das vítimas", deixou a sala parisiense onde era celebrada a cerimônia assim que o prêmio foi anunciado. Cerca de 400 manifestantes se concentraram horas antes do evento na sala Pleyel, repetindo palavras como "tranquem Polanski". A pressão levou o diretor a desistir de participar da cerimônia. Em 2017, ele já havia renunciado a presidir a festa pelo mesmo motivo.
Há mais 40 anos, o diretor de cinema Roman Polanski foi indiciado em Los Angeles por crimes como estupro com uso de drogas, perversão e sodomia com uma adolescente menor de idade. Relembre o caso:
1977
Em 11 de março de 1977, Roman Polanski (então com 43 anos) é detido, acusado de ter drogado e estuprado no dia anterior a adolescente Samantha Gailey, de 13 anos, durante uma sessão de fotos na mansão do ator Jack Nicholson, em Hollywood.
Um dia depois de uma primeira sessão, Polanski voltou a procurar a garota para um segundo encontro de trabalho, com a autorização de Samantha, conforme a ata de acusação. Em suas Memórias (1984), o diretor reconhece que houve a relação sexual, mas rejeita o estupro. A adolescente comemorava ter sido aceita na escola no grupo de quem sabia "se divertir, beber e tomar anfetaminas", escreve ele.
"Fui fotografada por Roman Polanski, e ele me estuprou", testemunhou em um livro Samantha Gailey, atualmente Geimer, seu sobrenome de casada. Frente ao júri, ela afirmou, em 1977, que Polanski lhe deu um sedativo antes de fazer sexo com ela. "Não queria me vitimizar (...), mas não entendia que era jovem demais. Não via que eu tinha medo".
O processo judicial
Polanski é solto da prisão, após pagar uma fiança de US$ 2,5 mil. Condenado por estupro no dia 24 de março, declara-se inocente. No início de agosto, para evitar um julgamento público, ele reconhece ter tido relações ilegais com a menor e, em troca, o juiz abandona a acusação de estupro com fornecimento e consumo de drogas. Um acordo judicial é alcançado com o consentimento da família. Polanski é condenado a 90 dias de prisão. Uma perícia psiquiátrica conclui que não existe perigo. Após 42 dias, ele é liberado por comportamento exemplar.
Às vésperas da audiência para homologar o acordo, o juiz muda de ideia, porém, considerando que a sentença é insuficiente. Em 31 de janeiro de 1978, Polanski parte com destino a Paris, e a Justiça norte-americana lança uma ordem de captura internacional.
Perdão, desculpas e página virada
Em agosto de 1994, depois que Polanski encerra uma ação civil pagando US$ 225 mil a Samantha Geimer e em que a pena máxima é reduzida para quatro anos, o promotor o convoca para o tribunal.
Samantha, a quem o cineasta enviou diversas cartas pedindo desculpas, solicita em diferentes ocasiões o encerramento do caso. Em 2017, ela implora a um juiz de Los Angeles que encerre o caso para que ela possa continuar com a sua vida.
– Eu não falo em defesa de Roman, mas da Justiça – ressalta, ao ler um comunicado, referindo-se ao cineasta pelo primeiro nome. – Eu imploro que faça isto por mim, tenha piedade de mim.
Geimer acrescentou que já não tinha medo de falar e que simplesmente queria que o caso fosse resolvido. Além disso, contou que recentemente se tornou avó e que não queria que sua família sofresse mais por nada relacionado a este acontecimento. Ela reiterou no passado que havia perdoado o cineasta franco-polonês e que desejava colocar um ponto final ao caso.
Sequelas na Suíça e na Polônia
Durante suas viagens ao exterior, a Justiça norte-americana tenta prender Polanski. França e Polônia (Polanski possui dupla cidadania) se negam a extraditá-lo.
Em 26 de setembro de 2009, ele é detido durante um festival em Zurique. Passa dois meses preso e outros oito meses em prisão domiciliar em sua casa em Gstaad. Em julho de 2010, a Suíça finalmente rejeita o pedido de extradição.
Em 2014, é detido em Varsóvia. A Polônia rejeita sua extradição, mas em 2016 o governo conservador reabre o caso, encerrado pela Suprema Corte no final daquele ano.
Em agosto de 2017, um juiz de Los Angeles se recusa a encerrar o caso, conforme solicitado pelo acusado e por sua vítima.
Mais três acusações de estupro
Em pleno Festival de Cannes em 2010, a atriz britânica Charlotte Lewis acusa o cineasta de ter "abusado sexualmente" dela quando tinha 16 anos, em uma audição organizada em sua casa, em 1983.
Em agosto de 2017, outra mulher, identificada como "Robin", acusa-o de uma agressão sexual quando ela tinha 16 anos, em 1973.
Em setembro de 2017, Renate Langer, uma ex-atriz, apresenta queixa por estupro, afirmando que foi violentada em 1972 em Gstaad, quando tinha 15 anos. Dois meses mais tarde, a Justiça suíça declara que essas acusações prescreveram.
Para o advogado do cineasta, as acusações das três mulheres "não têm fundamento".
Excluído do Oscar
Logo depois do caso Weinstein, Polanski renuncia à presidência do júri do César 2017, na França, diante da pressão de feministas.
Em 3 de maio de 2018, é excluído pela Academia do Oscar. Membro da instituição desde 1968 e ganhador de três Oscar com O pianista em 2003, ele apela da decisão.
Negação
Em entrevista que o diretor concedeu ao escritor e filósofo francês Pascal Bruckner, em 2019, Polanski alegou que até hoje é assombrado por "histórias absurdas".
— Mulheres que eu nunca conheci me acusam de coisas que supostamente aconteceram há mais de meio século — disse, em alusão às denúncias de abuso que recaem sobre ele. — Eu devo admitir que eu sou familiarizado com muito dos aparatos de perseguição mostrados no filme e isso claramente me inspirou. A maioria das pessoas que me persegue não me conhece.
Em comunicado divulgado em fevereiro, ao anunciar que não compareceria ao César, ele negou as acusações: "As ativistas falam das 12 mulheres que eu teria agredido há meio século, essas fantasias de espíritos doentios são agora tratadas como fatos comprovados. Uma mentira repetida mil vezes que se torna realidade".