O nome do cineasta franco-polonês Roman Polanski continuou sob os holofotes de polêmicas no segundo dia do Festival de Veneza. Ele concorre ao Leão de Ouro, prêmio principal da mostra, com seu novo filme, J'Accuse.
Houve muitas críticas à opção da mostra cinematográfica por incluir a obra na disputa. Polanski vive à sombra da acusação de um estupro em 1977. Outras mulheres já o acusaram de abuso desde então, mas sem apresentação de provas.
No segundo dia do evento, Polanski divulgou uma entrevista feita com ele pelo escritor francês Pascal Bruckner. Na conversa, o diretor falou sobre suas motivações para fazer o longa, que narra o caso que passou para a história como "affaire Dreyfus", de um judeu injustamente acusado de traição na França, defendido publicamente pelo escritor Émile Zola no famoso panfleto intitulado "J'Accuse...!".
— A história de um homem injustamente acusado é sempre fascinante, mas também é um problema atual dado o ressurgimento do antissemitismo.
E o cineasta acredita que essa história poderia se repetir nos dias atuais.
— Todos os ingrediente estão aqui: acusações falsas, péssimos processos judiciais, juízes corruptos e, acima de tudo, as redes sociais que condenam sem um julgamento justo ou direito de recurso.
Polanski também falou sobre sua experiência na era do #MeToo e do Time's Up e o trauma do assassinato de sua mulher, Sharon Tate, em 1969. Para o diretor, foi esse evento que deu início ao que ele chama de "perseguição".
Mulheres que eu nunca conheci me acusam de coisas que supostamente aconteceram há mais de meio século
ROMAN POLANSKI, CINEASTA
— A imprensa soube da tragédia e, sem ter a certeza de como lidar com isso, fez uma cobertura desprezível, implicando, entre outras coisas, que eu era a pessoa responsável pelo seu assassinato. Para eles, meu filme O Bebê de Rosemary provou que eu tinha uma aliança com o diabo.
Polanski também disse que até hoje é assombrado por histórias absurdas.
— Mulheres que eu nunca conheci me acusam de coisas que supostamente aconteceram há mais de meio século — disse, em alusão às denúncias de abuso que recaem sobre ele.
Bruckner também perguntou como o cineasta vai "sobreviver aos dias atuais do neofeminismo macarthista".
— Eu devo admitir que eu sou familiarizado com muito dos aparatos de perseguição mostrados no filme e isso claramente me inspirou. A maioria das pessoas que me persegue não me conhece.
Na quarta (28), Polanski foi o assunto em uma troca de farpas entre o diretor do evento, o italiano Alberto Barbera, e a presidente do júri oficial, a argentina Lucrecia Martel. Ela disse que se incomodava com a presença do cineasta na competição.
— Sou bem convicto de que é preciso fazer a distinção entre o homem e o crime — opinou Barbera, logo depois. — Grandes artistas também fizeram isso e, ainda assim, admiramos suas obras.