Em meio ao calor abafado acima de 30ºC que antecedeu a chuva, centenas de artistas e cinéfilos protestaram, na tarde deste sábado (8), contra o projeto da gestão Nelson Marchezan de terceirizar a Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre. O ato em defesa da administração pública do espaço aconteceu na Praça Daltro Filho, na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro. O edital da prefeitura deve ser lançado em fevereiro ou março.
Organizado pela Associação dos Amigos do Cinema Capitólio (AAMICA), o protesto contou com artistas dançando em pernas de pau, marchinhas de Carnaval e discursos lidos ao microfone. Adesivos com a frase "Queremos a Cinemateca Capitólio pública" estampavam o peito dos manifestantes. O ato culminou com um abraço coletivo em torno do prédio.
Comprado pela prefeitura em 1995 e reformado graças ao patrocínio da Petrobras, mediante Lei Rouanet, o Capitólio foi reaberto em 2015 após 15 anos fechado. Desde então, passou a oferecer à população ciclos de cinema com filmes não comerciais, exposições, debates e concertos. O local também abriga um raro acervo de filmes, roteiros e cartazes.
A polêmica gira em torno da decisão da gestão Nelson Marchezan de terceirizar a administração do Capitólio para uma Organização da Sociedade Civil (OSCs) – empresa privada sem fins lucrativos. Nesse modelo, a instituição gerencia o espaço conforme metas pré-estabelecidas com verba repassada pelo governo. A prefeitura se encarrega de propor um plano de trabalho e de fiscalizar o cumprimento.
— A Cinemateca continuará sendo absolutamente pública, com a diferença de que a gestão estará a cargo de uma OSC que agirá como um braço do poder público e será regulada por ele — afirmou o secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, a GaúchaZH.
O argumento do governo Marchezan é de que a iniciativa ajudaria a desburocratizar a rotina do órgão. Dentre as OSCs interessadas, estariam a Fundacine, a Associação Cine Esquema Novo e o Instituto Odeon.
A proposta, contudo, enfrenta grande resistência do meio cultural, segundo o qual o Capitólio não dá prejuízo e funciona bem. A colunista Cláudia Laitano, em artigo de opinião intitulado "Prefeitura quer mexer em time que está ganhando", resume as críticas: "Uma gestão terceirizada tomaria conta desse acervo público com o mesmo cuidado e rigor ou essa parte ficaria de fora do acordo? Qual a garantia de que a qualidade e variedade da programação seriam mantidas? Qual a vantagem de terceirizar a administração se os recursos para a futura gestora continuariam a sair dos cofres do município e talvez resultassem em mais despesas para a prefeitura e não menos?"
Presidente da entidade dos amigos do Capitólio, Luiz Antonio Timm Grassi afirma que o meio cultural enviou pedido, há cerca de duas semanas, para que a prefeitura organize uma audiência pública que discuta as alterações.
— A alegação de que terceirizar irá desburocratizar não faz sentido, porque a Cinemateca já funciona sem problemas. O governo investiu nos servidores que trabalham lá, inclusive enviou alguns para fora do país, e agora quer sair da administração. Há muitos casos de contratualização que não deram certo, como o MAR (Museu de Arte do Rio) e o Theatro Municipal de São Paulo — afirmou Grassi a GZH.
Dentre as pessoas que manifestavam crítica à terceirização, Olívia, sete anos, atraía sorriso de cima da garupa do pai, o diretor e produtor de cinema Felipe Diniz, 43 anos. A menina segurava um cartaz, escrito em letras infantis, com a frase: "Meu primeiro filme foi na Cinemateca Capitólio". Do outro lado do papel, a lista dos filmes – o primeiro fora O Avião Vermelho, adaptação do livro infantil As Aventuras do Avião Vermelho, de Erico Verissimo.
— Ela frequenta muito a Sessão Vaga-Lume, que é infantil e acontece um sábado por mês. Gosta muito de cinema — afirma o pai.
— A gente vem ao menos uma vez por mês aqui — acrescentou a mãe, a psicóloga Luciana Knijnik, 40 anos. — Considerando todo o investimento público feito, queremos que a Cinemateca siga pública.