Com gritos e faixas de "Lula Livre" e momentos de catarse coletiva, Nova York se transmutou, por algumas horas, em São Paulo, Rio de Janeiro - e, quem sabe, Recife? -, nesta terça-feira (1º), com a estreia de Bacurau na 57ª edição do festival de cinema da cidade americana.
— É um prazer estar aqui nesta noite. É um momento muito especial para nós e quero dedicar essa exibição a Luiz Inácio Lula da Silva — disse, minutos antes da exibição, Juliano Dornelles, codiretor do longa ao lado de Kleber Mendonça Filho.
— Ele está na prisão agora, mas nós o queremos de volta — referiu-se ao ex-presidente condenado a oito anos, 10 meses e 20 dias de encarceramento, em decorrência da operação Lava Jato.
Diante de uma plateia lotada no complexo cultural Lincoln Center, em Manhattan, Mendonça enalteceu a experiência coletiva que é o cinema.
— Bacurau estar em cartaz, nesse momento, no Brasil, é algo importante.
Pouco mais de um mês desde a sua estreia, o filme já arrecadou cerca de R$ 700 mil em bilheteria, segundo o Filme B, portal que monitora esse tipo de dado no país. E ocupa, atualmente, a nona posição entre os mais vistos nos cinemas nacionais.
Durante a exibição, o público não economizou em reações emocionadas, como risos e palmas. Quando os créditos finais surgiram na tela, a audiência - majoritariamente brasileira - aplaudiu de pé. Também estavam presentes as atrizes Sônia Braga e Barbara Colen, além de outros produtores e atores.
Kleber Mendonça Filho ratificou o sertão nordestino como paisagem clássica do cinema nacional desde os tempos do cinema novo e neste roteiro - cuja gestação se iniciou há 10 anos - trocou o isolamento pela conexão:
— Estivemos sempre conectados, talvez procrastinando. Acompanhando as redes sociais, a imprensa, as mídias eletrônicas. Podíamos sentir a temperatura do que estava acontecendo. Nos Estados Unidos, Donald Trump foi eleito. O golpe, que algumas pessoas chamam de impeachment no Brasil, também aconteceu. Todas essas coisas se tornaram elementos para trabalharmos no filme — disse.
O diretor de Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016) também brincou com o fato de Bacurau -vencedor do prêmio do júri do Festival de Cannes 2019 - se passar num futuro ficcional indeterminado:
— O filme abre com palavras importantes, que eu considero efeitos especiais baratos: "Alguns anos depois". Palavras que levam a audiência a pensar que isso tudo não está acontecendo. Mas, a maior parte das suas tensões, são questões históricas crônicas da sociedade brasileira: corrupção, violência, a falta de água no Nordeste. Nos últimos três anos, quando o Brasil deixou de seguir a via democrática, Bacurau ficou mais perto da realidade. E essa é a parte triste. Nosso filme é mais sobre nossa história do que sobre o nosso futuro.
A produção foi toda rodada no povoado de Barra, parte rural da cidade de Parelhas, no interior do Rio Grande do Norte:
— Bacurau existe e não só no sertão brasileiro. É nas favelas e em todo lugar em que as pessoas precisam estar juntas para poderem sobreviver — disse Juliano Dornelles.
Sônia Braga destacou o pôr do sol da região e a vitalidade das pessoas que ali moravam e fizeram parte do elenco do longa-metragem.
Western à brasileira com pitada de sci-fi, Bacurau estreou em Nova York uma semana após a passagem de Bolsonaro pela cidade, onde discursou pela primeira vez na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Questionados pela escolha de mercenários dos EUA, associados a políticos brasileiros, como os vilões da história, os diretores não tergiversaram.
— Por que um filme como Duro de Matar pode escolher um alemão, chamado Hans Gruber, como vilão e nós não podemos ter vilões americanos? — desafiou Kleber Mendonça Filho.