Estão por toda a parte e falam muitas línguas os políticos sedutores de comportamento indecoroso, que ultrapassam limites éticos e legais embaralhando sem pudor o público e o privado, que cobrem com sua postura nebulosa, não raro truculenta, um amplo espectro entre a falta de noção como cidadão e a inaptidão como gestor. Muitos deles consagram-se como tipos perversamente folclóricos, caso do italiano Silvio Berlusconi, que vendeu seu peixe junto ao eleitorado prometendo gerenciar o país com o talento empreendedor que o fez bilionário à frente de um conglomerado de comunicação.
Berlusconi exerceu por três vezes o posto de primeiro-ministro da Itália, entre 1994 e 2011, representando a centro-direita e o discurso moralizador. Atrelou seu nome a polêmicas e escândalos, da corrupção ao envolvimento sexual com uma adolescente. Persona magnética, acostumou-se, por saber bem como a engrenagem midiática funciona, a ocupar o noticiário sem medir palavras e temer confrontos. Ergueu um robusto círculo de apoiadores em diferentes esferas e rebatia as críticas alegando perseguição dos comunistas.
São os aspectos mundanos da trajetória de Berlosconi na vida italiana – foi ainda, até 2017, dono do time de futebol do Milan – que interessam ao diretor Paolo Sorrentino em Silvio e os Outros. Ácido painel sobre o político fanfarrão, entusiasta promotor de festanças conhecidas como bunga-bunga, animadas por jovens prostitutas contratadas para entreter convivas como políticos e empresários graúdos, o filme é destaque na programação da 8ª Festa do Cinema Italiano, que traz ao Brasil 11 longas-metragens inéditos no circuito local.
São 10 produções recentes e um épico com seis horas de duração apresentado em 2003 (veja abaixo). Em Porto Alegre, as sessões serão no Espaço Itaú, da quinta-feira (8) até 14 de agosto.
Lançado na Itália em duas partes, Silvio e os Outros chega ao Brasil na versão para o mercado internacional, com 2h30min de duração. Sorrentino retoma no longa sua parceria com o excepcional ator Toni Servillo – entre os quatro títulos que fizeram antes está A Grande Beleza (2013), vencedor do Oscar de filme estrangeiro. Aqui, Sorrentino deixa de lado sua exaltação a Federico Fellini, como visto em A Grande Beleza e reiterada em Juventude (2015), para repetir com Servillo o tom de sátira política que consagraram em Il Divo (2008), sarcástico perfil de Giulio Andreotti (1919-2013), também primeiro-ministro da Itália por três períodos, entre 1972 e 1992.
Como em Il Divo, Silvio e os Outros investe no registro caricatural de seu personagem, representado por uma figura cartunesca e emocionalmente vazia regrada por cinismo, devassidão e sede de poder. Com uma narrativa fabular e de alta voltagem erótica – a classificação é para maiores de 18 anos –, Berlusconi emerge como o sultão de um reino de opulência e vulgaridade. Boa parte desse retrato é construído pelo olhar desses "outros", revelando o homem e o mito. Um fiapo de trama o enreda, às vésperas de voltar ao cargo de primeiro-ministro pela última vez, em 2008, a outros dois personagens: Veronica Lario (Elena Sofia Ricci), sua mulher, que suporta – e compartilha – os prazeres orgiásticos do marido até o caso com a menor de idade ser a gota d’água; e Sergio Morra (Riccardo Scamarcio), cafetão com aspirações políticas que, para se aproximar do poderoso, organiza uma nababesca bunga-bunga numa mansão à vista de Berlusconi na paradisíaca Sardenha.
Embora nos créditos iniciais Silvio e os Outros se apresente como uma ficção descolada de fatos e personagens reais, Sorrentino foi muito incisivo do que outros registros sobre a era Berlusconi, como O Crocodilo (2006), de Nanni Moretti, e O Rei de Roma (2018), de Daniele Luchetti. O ambiente onírico que embala a narrativa — no filme, em sintonia com o torpor coletivo provocado pela fartura de cocaína e anfetaminas diversas — e a proposital falta de contextualização dos episódios podem sugerir que um tipo como Berlusconi só poderia ser criado pela ficção. Mas ele é incrivelmente real e atualmente integra o parlamento europeu. Em 2013, foi condenado à prisão no caso da adolescente e teve os direitos políticos cassados, pena anulada em 2015, quando outra condenação, por corrupção, também deu em nada. Por sua vez, Gianpaolo Tarantini, empresário no qual o fictício Morra é decalcado, peixe miúdo entre os tubarões, cumpre pena por tráfico de drogas.
Silvio e os Outros terá sessões no sábado, às 21h; dia 12, às 18h; e dia 14, às 16h.
Outros filmes da Festa do Cinema Italiano. Veja aqui a programação completa, com dias e horários das sessões.
Noite Mágica, de Paolo Virzì. Famoso produtor de cinema é encontrado morto no Rio Tibre e os principais suspeitos são três jovens roteiristas.
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Lucia Cheia de Graça, de Gianni Zanasi. Exibido no Festival de Cannes. Mãe solteira que tenta equilibrar os cuidados com a filha e a sua carreira como topógrafa encara episódio que pode promover reviravolta em sua vida.
Entre Tempos, de Valério Mieli. Casal que vive longo relacionamento enfrenta impasse diante de um balanço em que as diferentes expectativas de um e outro têm como medida alegrias, tristezas, frustrações e angústias.
Bangla, de Phaim Bhuiyan. Comédia premiada sobre jovem oriundo de Bangladesh (vivido pelo próprio diretor) que mora em um subúrbio de Roma. Ao se apaixonar por garota italiana, ele tem de lidar com as diferenças culturais e religiosas.
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Dafne, de Federico Bondi. Após a morte inesperada de sua mãe, mulher com síndrome de Down tenta se reconciliar o com pai.
O Melhor da Juventude, de Marco Tullio Giordana. Com exibição em duas partes, este drama épico acompanha uma família do fim dos anos 1960 até o começo dos anos 2000, abordando na trama episódios emblemáticos da história da Itália.
Michelangelo - Infinito, de Emanuele Imbucci. Documentário sobre o artista Michelangelo Buonarroti (1475-1564), grande mestre do Renascimento.
Caravaggio - A Alma e o Sangue, de Jesus Garcés Lambert. Documentário sobre a vida e a obra do pintor italiano Caravaggio (1571-1610).