Janeiro recém está pela metade, mas já temos um sério candidato a filme do ano: A Grande Beleza, que entra em cartaz nesta sexta em Porto Alegre.
Vencedor do Globo de Ouro de filme estrangeiro e favorito ao Oscar (veja aqui a lista completa de indicados) da categoria, o longa do diretor italiano Paolo Sorrentino acompanha as perambulações de um escritor fascinado tanto pela mundanidade quanto pela espiritualidade da Cidade Eterna.
Exibido no Festival de Cannes de 2013, A Grande Beleza destacou-se em listas de melhores de 2013 de associações de críticos e publicações como a revista norte-americana Time. No começo de dezembro, o longa foi eleito o melhor filme europeu da temporada, além de vencer nas categorias diretor e ator (Toni Servillo). O realizador Paolo Sorrentino despontou em 2008 com Il Divo, singular cinebiografia do ex-primeiro-ministro democrata-cristão italiano Giulio Andreotti (1919 - 2013), que levou o Prêmio do Júri em Cannes. Depois de dirigir Sean Penn em Aqui É o Meu Lugar (2011), o cineasta napolitano declara seu amor a Roma no envolvente A Grande Beleza.
O filme começa mostrando o aniversário de 65 anos de Jep Gambardella (Servillo), escritor de um livro só que vive de redigir entrevistas com personalidades para uma revista chique. O protagonista é um homem sofisticado e cínico, que observa o sublime e a banalidade ao redor desde seu terraço, localizado praticamente dentro do Coliseu - se o estádio ainda recebesse gladiadores, Jep nem precisaria sair de casa para assistir às lutas. Circulando pela alta sociedade romana, frequentando baladas hedonistas e jantares burgueses, entre prostitutas de luxo, celebridades fúteis e fariseus candidatos a Papa, Jep coloca sua vida em perspectiva, remoendo as escolhas que o levaram a tornar-se "o rei da mundanidade" - como o personagem autodefine-se.
"Eu era destinado à sensibilidade. Eu era destinado a virar um escritor", relembra o autor do consagrado romance O Aparato Humano, que passa o filme inteiro tentando explicar à fauna de figuras que o cerca por que não escreveu mais nenhum romance, quatro décadas depois dessa promissora estreia literária.
A influência de Federico Fellini (1920 - 1993) é evidente em A Grande Beleza: o escritor frustrado que relembra o passado remete ao cineasta com bloqueio criativo de 8 e 1/2 (1963), enquanto os deslumbrantes passeios de câmera pela capital italiana evocam Roma de Fellini (1972).
Mas é A Doce Vida (1960) a assumida fonte inspiradora de Sorrentino: os paralelos com as aventuras do glamouroso repórter de fofocas vivido por Marcello Mastroianni abundam na tela - uma semelhança que tem motivado muita gente a torcer o nariz para A Grande Beleza.
A despeito dessa evidente matriz felliniana, A Grande Beleza afirma-se como obra maior e com méritos próprios. Em registro totalmente distinto de seu morfético Andreotti em Il Divo, Toni Servillo faz uma caracterização inesquecível como um intelectual que contempla com melancolia a debacle de seu mundo. Os ambíguos sentimentos de Jep ecoam na trilha sonora, que vai da música eletrônica mais banal a arrebatadores temas solenes e langorosos de compositores eruditos contemporâneos como Arvo Pärt, Henryk Górecki, Vladimir Martynov, Zbigniew Preisner e John Tavener.
A Grande Beleza comove com seu decadentismo agridoce - uma impressão cristalizada nas cenas que contrapõem construções e obras de arte ancestrais com as criaturas contemporâneas, mostrando que há mais eloquência no olhar das estátuas e dos quadros do que no falatório vazio dos homens.
A GRANDE BELEZA (La Grande Bellezza)
De Paolo Sorrentino. Com Toni Servillo, Carlo Verdone e Sabrina Ferilli.
Drama, Itália/França, 2013.
Duração: 142 minutos. Classificação: 14 anos.
Estreia nesta sexta.
Cotação: 5 estrelas (de 5)