Lá no começo dos anos 2000, quando apareceu o primeiro filme da franquia Velozes & Furiosos, estrelado por Vin Diesel e Paul Walker, havia, por baixo das nuvens de óxido nitroso, uma certa ambição de levar o filme a sério como híbrido de história policial e crônica de uma cena underground urbana de culto à velocidade motorizada.
O passar do tempo e a sucessão de novos filmes (um deles, um risco inútil corrido pelo estúdio Universal de continuar a série sem seu principal astro), com sequências de ação frenética cada vez mais elaboradas, elevaram as apostas até a franquia abandonar qualquer pretensão de verossimilhança. É praticamente uma assinatura desses filmes o fato de que a ação, adrenalinada e beirando o fantástico, terá prioridade sobre qualquer coisa, inclusive as leis da física.
Esse espírito se mantém intacto em Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw, estrelado por dois personagens que surgiram originalmente como antagonistas do Dominic Toretto de Vin Diesel e que, graças ao carisma de seus atores, Dwayne “The Rock” Johnson e Jason Statham, ganharam passagem de retorno garantida nos filmes seguintes como aliados do sujeito que haviam tentado prender ou matar (lembre-se: a ação frenética tem prioridade sobre tudo, até sobre a lógica).
Luke Hobbs, papel de The Rock, é um ex-agente do FBI que já teve a missão de caçar Toretto e terminou por se aliar a ele. Deckard Shaw, interpretado pelo inglês Jason Statham, é um ex-soldado de forças especiais transformado em mercenário.
Em filmes anteriores, para vingar a derrota de seu irmão Owen (Luke Wilson), ele chegou a assassinar um dos integrantes da gangue de Toretto, mas mais tarde, no oitavo filme da franquia, se juntou ao grupo para derrotar a ciberterrorista vivida por Charlize Theron (a ação frenética tem prioridade sobre tudo, até sobre o discurso de “família” que construiu toda a série).
A química em cena entre The Rock e Statham acendeu a luz verde para a produção deste ramo à parte da série – e resolveu a crônica animosidade entre The Rock e o “dono” da franquia principal, Vin Diesel, que assumidamente se detestam. Em Hobbs & Shaw, a dupla é reunida para impedir uma ameaça de nível global encarnada no terrorista geneticamente modificado Brixton Lore (Idris Elba). Se antes Velozes e Furiosos já parecia filme da Marvel com seus “stunts” absurdos e heróis indestrutíveis, com o vilão deste filme o pessoal resolveu chutar o balde e criar de fato o “Superman negro”, superforte e à prova de balas, como Elba se autointitula em cena.
É um filme para seu público, e, nesse sentido, é extremamente bem executado. Mas toda a irreverência que Hobbs & Shaw tem com a física poderia ter também com seu roteiro. As cenas de ação são divertidas, mas dramas familiares insossos incluídos para dar carne ao que é (já falei isso?) um filme de ação frenética esticam a produção por intoleráveis mais de duas horas.