Já no seu segundo dia, no sábado (17), Gramado viu um dos filmes mais excêntricos e divisivos desta edição. O equatoriano A Son of Man: A Maldição do Tesouro de Atahualpa, dirigido por Jamaicanoproblem e Pablo Aguero. Misto de delírio surrealista com narrativa de aventura, o filme é um arrojado passeio visual pela selva equatoriana que dividiu as opiniões dos críticos ao final de sua primeira exibição.
A Son of Man é a narrativa de Pipe, um jovem residente nos Estados Unidos que é chamado por seu excêntrico pai para embarcar na busca pelo ouro lendário do último imperador inca, Atahualpa (1502-1533), localizado em um mítico ponto inacessível dos Andes, na selva dos LLanganates. Embora comece com um tom farsesco, sustentado por imagens que oscilam entre o grandioso e o cômico, à medida que a expedição de pai e filho se embrenha na selva, uma atmosfera de pesadelo tropical vai tomando a narrativa: os carregadores e empregados do explorador vão abandonando a empreitada, uma violência imotivada vai ganhando corpo e a própria figura do pai vai se transformando aos olhos do filho, de um excêntrico a um homem que gradativamente vai cedendo à loucura.
Com um amplo uso de imagens aéreas feitas por drones, A Son of Man combina cenas de um colorido exótico com panorâmicas luxuriantes da natureza local, muitas vezes enquadrada como imagens abstratas em que é a composição da cor, e não a forma, o centro do plano.
Ao mesmo tempo, o filme não é uma narrativa de aventura comum, mas uma tentativa cinematográfica de borrar os limites entre ficção e realidade. O pai da história é vivido pelo próprio diretor, creditado como ator com o seu nome de batismo, nome artístico de Luis Felipe Fernandez-Salvador y Campodonico. Pipe, o filho, é vivido pelo filho real do realizador, Luis Felipe Fernandez-Salvador y Boloña. A produtora do filme, Lilly van Ghemen, esposa de Jamaicanoproblem, vive no filme a esposa do pai, uma figura onírica e deslocada no meio da expedição, sendo transportada para lá e para cá em liteiras e citando Nietzsche. E todo mundo no elenco vive personagens com seus nomes próprios.
Por isso, num lance de provocação, filme abre com um letreiro dizendo que nada do que foi mostrado ali é ficção, dado que não foram utilizados estúdio, roteiro nem atores. Jamaicanoproblem/Luis Felipe chama a essa estética "realismo fantástico", mas faz questão de diferenciar essa definição da do "realismo mágico" literário latinoamericano (que, aqui no Brasil, é mais comumente chamado de "realismo fantástico", para aumentar a sua confusão, considerado leitor).
— O que entendo por realismo fantástico é fazer um filme que mostre pessoas reais em situações reais usando uma estética pós-moderna e pop que ofereça ao espectador uma experiência imersiva. Não diferencio meu filme de um documentário, já que os recursos e a linguagem que se usa no cinema para ficção e documentário são os mesmos — disse, no debate sobre o filme, realizado na manhã de ontem.