O químico Antoine Lavoisier percebeu ainda nos anos 1700 que, na natureza, nada se cria, nada se perde: tudo se transforma. A célebre frase do francês, contudo, pode ser empregada além das ciências. Também no mundo artístico, antigas tramas são revisitadas de tempos em tempos, algumas vezes com mais inovações que outras.
É o caso de O Rei Leão, que voltou aos cinemas neste ano com um design bem mais realista que a primeira versão animada, lançada em 1994. Apesar de algumas alterações, nos dois filmes o conto do príncipe abalado pela morte do pai, que vê um tio obscuro ascender ao poder de forma suspeita e, ainda, recebe mensagens de um fantasma do antigo monarca, não é uma história exatamente inédita. De fato, é parte da premissa de Hamlet, escrita por William Shakespeare em 1600.
Mas a Disney não foi o único estúdio a buscar inspiração em clássicos da literatura. Abaixo, confira outros 10 longas que não tem uma trama tão original quanto pode parecer.
10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999)
Heath Ledger e Julia Stiles protagonizam uma das clássicas comédias românticas juvenis dos anos 1990, com direção de Gil Junger. Na trama, duas irmãs são forçadas pelo pai a responder a um estranho arranjo. Para impedir que a mais nova, Bianca, namore, ele a proíbe de ir a encontros até que sua irmã — Kat, que odeia a todos — encontre um pretendente. Assim, um garoto interessado por Bianca, Cameron James (Joseph Gordon-Levitt), decide encontrar alguém capaz de subornar Patrick Verona (Heath Ledger) para conquistar a "megera".
A produção nem tenta esconder suas raízes em A Megera Domada, de William Shakespeare — adaptando a história clássica para o ambiente do ensino médio moderno. Repleta de referências ao dramaturgo, incluindo um personagem fantasiado como o poeta ao fim do longa e outra fanática por suas peças, em 10 Coisas que Eu Odeio em Você as irmãs são da família "Stratford", nome da cidade natal de Shakespeare, enquanto Patrick leva no nome a cidade de Verona, onde a história original é ambientada.
Ela é o Cara (2006)
Ainda no universo adolescente e shakespeariano, em 2006 Andy Fickman transformou Noite de Reis na comédia juvenil Ela é o Cara. Na peça original, a história gira em torno de Viola, uma jovem moça que toma o lugar do irmão gêmeo, Sebastian, após imaginar que ele morreu em um naufrágio e ela está sozinha no mundo. Trabalhando como mensageira para o casal Duque Orsino e Lady Olívia, ela acaba se apaixonando pelo nobre, enquanto Olívia — acreditando que Viola é um homem — se enamora por ela.
Na versão moderna e mais escrachada, Viola se infiltra na escola de seu irmão gêmeo porque não aguenta mais a forma como sua mãe a trata e deseja praticar sua paixão: jogar futebol. Ainda assim, o triângulo amoroso reaparece, interpretado por Amanda Bynes (Viola), Channing Tatum (Duke) e Laura Ramsey (Olivia).
As Patricinhas de Beverly Hills (1995)
Segundo a lenda, a escritora britânica Jane Austen teria afirmado que Emma Woodhouse era uma heroína que apenas ela conseguiria amar. Apesar da crítica, 180 anos após a publicação do romance Emma, a história da menininha mimada foi levada aos cinemas pela diretora Amy Heckerling e, com uma adaptação aos tempos modernos, ambientada em uma escola de ensino médio de Beverly Hills, se tornou uma queridinha do público.
Na história, é possível acompanhar a trajetória de uma garota rica, bonita e inteligente, cujos piores traços são sempre bancar a casamenteira e não compreender nada das pessoas ao seu redor. No longa, a personagem-título foi transformada em Cher (Alicia Silverstone), mas ela ainda vive todas as peripécias da Emma original — que tenta ajudar uma menina nova a se inserir na sociedade, mas só complica a vida de todos com seus conselhos.
Ela É Demais (1999)
As desventuras de Eliza Doolittle, uma vendedora de flores humilde transformada em dama da alta sociedade por um professor de fonética, motivado por uma aposta, foram descritas em 1913 por George Bernard Shaw na peça Pigmalião.
Quase um século mais tarde, em 1999, Robert Iscove trouxe uma versão moderna da trama em Ela É Demais, ambientada em uma escola de ensino médio. O fonoaudiólogo deu lugar ao garoto mais popular da turma, Zack Siler (Freddie Prinze Jr.), que aposta com um amigo que pode transformar a peculiar artista em formação Laney Boggs (Rachael Leigh Cook) na rainha do baile escolar.
Segundas Intenções (1999)
A ideia de trazer os enredos clássicos da literatura para o ambiente adolescente, inclusive, parece ser muito popular. Outro exemplo é Segundas Intenções, de Roger Kumble, adaptado do livro Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos, publicado em 1782. Da Primeira República Francesa, a obra foi movida para uma escola de jovens ricos em Nova York.
Na história, os irmãos de criação Kathryn Merteuil (Sarah Michelle Gellar) e Sebastian Valmont (Ryan Phillippe) entram em uma aposta perigosa: ele promete conquistar a inocente filha do diretor da escola em que estudam, Annette (Reese Witherspoon), antes de as aulas recomeçarem. Se não conseguir, Kathryn fica com seu carro; caso seja bem sucedido, ela deve dormir com ele.
O Diário de Bridget Jones (2001)
Não são poucas as adaptações de Orgulho e Preconceito, seja para o cinema, televisão ou internet. E boa parte do público deve ter percebido que a comédia britânica O Diário de Bridget Jones, adaptado do romance de Helen Fielding, também é inspirada pelo clássico de Jane Austen.
Assim como Elizabeth Bennet, Jones (Renée Zellweger) primeiro causa uma péssima impressão em seu Mr. Darcy (interpretado pela segunda vez por Colin Firth) e decide odiá-lo por toda eternidade, até descobrir que ele é na verdade apaixonado por ela. No longa de 2001, a protagonista tem até uma mãe obcecada por casamentos, como na obra de 1813.
Amor, Sublime Amor (1961)
Outra história a que não faltaram adaptações foi a do romance entre Romeu e Julieta. A peça de Shakespeare sobre os dois jovens apaixonados de famílias rivais, cultuada na cultura pop, também inspirou ao clássico de 1961 Amor, Sublime Amor, adaptado de um espetáculo da Broadway. A obra, com direção de Jerome Robbins e Robert Wise, contou com Natalie Wood e Richard Beymer nos papéis principais .
Do cenário italiano de Verona, contudo, a trama foi transportada para Nova York. Os Capuleto deram lugar aos Sharks, gangue formada por imigrantes porto-riquenhos nos EUA, enquanto seus rivais Montecchios foram substituídos pelos Jets, gangue de brancos anglo-saxônicos. Romeu passou a ser Tony, o ex-líder dos Jets, que se apaixona por María, sua Julieta, ninguém menos que a irmã do líder dos Sharks.
Apocalypse Now (1979)
Já um dos clássicos cinematográficos de Francis Ford Coppola, com Martin Sheen e Marlon Brando, Apocalypse Now leva para dentro do contexto da Guerra do Vietnã a trama de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, lançado em 1902.
No material original, Kurtz (interpretado por Brando no filme) é um caçador de marfim perdido na África, não o coronel do exército de Coppola. Durante a trama do livro, situada no Estado Livre do Congo, um britânico se torna capitão de um barco a vapor, com a missão de resgatar um famoso comerciante de marfim.
Planeta Proibido (1956)
De volta a Shakespeare, é preciso reconhecer a versatilidade da obra do dramaturgo. Em 1956, o diretor Fred McLeod Wilcox se inspirou na peça A Tempestade, reconhecida como um dos últimos trabalhos do britânico, para desenvolver o longa de ficção-científica Planeta Proibido.
Na trama do filme, uma expedição espacial busca verificar uma colônia de cientistas em outro planeta, enquanto que na peça o duque de Milão, Próspero, utiliza poderes mágicos para atrair seus inimigos à ilha onde ele está confinado. Em ambos os casos, seja na ilha isolada ou no planeta longínquo, um pai (Próspero/Dr. Edward Morbius) vive há anos isolado com sua filha.
Ran (1986)
O diretor japonês Akira Kurosawa também buscou inspiração em Shakespeare ao criar Ran, em 1986, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor (o filme ainda foi indicado em melhor direção de arte e fotografia, e venceu na categoria de figurino).
A história do senhor feudal Hidetora, no Japão do século 16, que decide dividir seu reino entre os três filhos, é similar à trajetória de Rei Lear. Uma das diferenças, além da localização geográfica, é que no texto de 1605 o rei da Bretanha tem herdeiras mulheres: Goneril, Regan e Regan; enquanto que, respeitando a tradição patriarcal japonesa, no filme a herança é dividida entre os homens Taro, Jiro e Saburo.