Localizada na Amazônia, bem na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, a pequena Ilha da Fantasia é habitada tanto por vivos quanto por mortos em Los Silencios, filme em cartaz na Capital. Esses fantasmas convivem com os humanos, mas não os assombram, pois são espectros presos às reminiscências de suas vidas pregressas.
Los Silencios terá sessão especial nesta terça-feira (16), às 20h, no CineBancários (Rua General Câmara, 424). Em seguida, a diretora do longa, Beatriz Seigner, conversa com o público, bate-papo com participação do jornalista Roger Lerina e da pesquisadora e mestre em Gênero, Mídia e Cultura Joanna Burigo.
Coprodução entre Brasil, Colômbia e França, é o segundo filme de Beatriz. Foi exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, em 2018, e ganhou, entre outros reconhecimentos, o troféu de melhor direção e o Prêmio da Crítica no Festival de Brasília.
O longa anterior de Beatriz, Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano (2010), combinou ficção e documentário acompanhando três atrizes brasileiras tentando a sorte na indústria cinematográfica indiana. A fórmula de costurar as narrativas ficcional e documental de repete no novo trabalho, que conta a história de Amparo (Marleyda Soto) e seus filhos Fábio (Adolfo Savilvino), nove anos, e Nuria (María Paula Tabares Peña), 12. A família chega à Ilha da Fantasia após fugir do conflito armado na Colômbia. Enquanto procuram se adaptar à nova vida, ressurge o marido desaparecido de Amparo (Enrique Diaz), morto por paramilitares em episódio também fatal para uma filha do casal.
Drama pessoal dispara questões universais
A linha entre a ficção e o documentário torna-se tênue, por exemplo, na encenação de uma reunião de fantasmas.
— Para a assembleia dos mortos, fizemos uma seleção de pessoas que realmente passaram pelos conflitos na Colômbia. Tem ex-guerrilheiro da Farc, ex-paramilitar, pessoas que passaram por isso de diversas maneiras — explica Beatriz. — É nossa cena mais documental e mais fantástica
O tom documental se manifesta também com a presença de moradores da ilha. Beatriz, que relata haver uma tentativa de desalojamento dos ilhéus para a construção de um cassino no local, comenta o trabalho com não atores:
— São palavras que saem da boca deles com naturalidade. Por isso dá essa sensação de documental, de frescor. Para mim, é puro jazz.
A princípio, Los Silencios é uma história sobre o processo lidar com fantasmas do passado. Pouco a pouco, o filme fica mais fluorescente, conforme o processo de luto vai se desenvolvendo. Acaba abordando diferentes discussões sociais e políticas, evocando outros “fantasmas”, como a imigração, a especulação imobiliária e as sequelas da violência. É um filme que transborda.
— Para mim, o movimento era muito o de uma gota que cai no lago e vai tendo círculos cada vez maiores — diz a diretora. — Começa com esse drama minimalista, da mãe lidando com o luto de ter perdido a filha e o marido. Esse drama particular começa a abrir o drama da comunidade da ilha, que está sendo expulsa de lá. Tem a assembleia de mortos, que não é só espacial, mas também plural. O contexto geopolítico está presente a todo momento fora de quadro. A gente ouve na televisão, no rádio, em um barco que passa e lembra que existe a guerra, escuta os tiros no vídeo do celular. A violência está presente fora de quadro. O roteiro vai se desenvolvendo nesse transbordamento, de dentro para fora.